RELATO DE EXPERIÊNCIA: AUDITORIAS DE SEGURANÇA DO PACIENTE EM UM HOSPITAL PÚBLICO DE GRANDE PORTE DO OESTE CATARINENSE

  • Vinicius Ansolin Universidade Federal da Fronteira Sul
  • João Vitor Kroth
  • Renata Rocha Cardozo
  • Tatiana Gaffuri da Silva
  • Paulo Cesar da Silva
  • Diane Terribile

Resumo

Introdução: a assistência em saúde, em seu âmbito mais essencial, tem como objetivo principal não causar dano ao paciente. O Primum non nocere - primeiramente não causar dano, conceito dado por Hipócrates (460 a 370 a.C.), e hoje tido como conceito de “não maleficência", é um pensamento ético que existe desde os primórdios da medicina e vem se aprimorando até os dias atuais. A partir dos anos 2000, por meio da divulgação de um relatório de segurança do paciente pelo Institute of Medicine intitulado To err is human, o qual relatava que cerca de 100 mil pacientes morriam por ano nos hospitais dos Estados Unidos como desfecho de eventos adversos (termo que designa erros na assistência em saúde que levam ao dano ao paciente), foi enfatizado a segurança do paciente como pauta mundial para a assistência em saúde. Assim, foram induzidos cada vez mais esforços por parte dos países e organizações competentes, na formação de protocolos e estudos acerca da segurança do paciente, visando sua melhoria. A segurança do paciente, é conceituada como a adoção de medidas que visam reduzir, a um mínimo aceitável, o risco de dano causado na assistência em saúde. Ainda, corresponde à cultura de segurança adotada pelos profissionais no intuito de priorizar a segurança de todos acima das metas financeiras e operacionais, promovendo o aprendizado organizacional e a melhora da qualidade do atendimento (OMS, 2009; BRASIL,

2013). Salientando a alta complexidade envolvida na assistência à saúde, é inevitável que o erro possa acontecer, afinal, errar é humano (BRASIL, 2013). Os setores administrativos responsáveis pela segurança do paciente nos hospitais são o Núcleo de Segurança do Paciente e a Comissão de Controle de Infecção Relacionada à Assistência à Saúde. De acordo com o Programa Nacional de Segurança do Paciente, de 2013, os Núcleos desempenham o papel de promover a prevenção, controle e mitigação de incidentes, além da integração dos setores, a articulação dos processos de trabalho e das informações que impactam nos riscos ao paciente. Conforme a Portaria nº 2616/1998, o serviço de controle de infecção assume o papel de elaborar, implementar, manter e avaliar o programa de controle de infecção hospitalar, periódica e sistematicamente, as informações providas pelo Sistema de Vigilância Epidemiológica das infecções hospitalares, aprovar as medidas de controle, investigar surtos epidemiológicos e outras competências relacionadas ao controle de infecções. Considerando a grande importância da adoção das boas práticas de segurança do paciente pelos profissionais e as dificuldades encontradas na prática para sua efetivação, surge o interesse de observar e identificar as dificuldades existentes no ambiente hospitalar. Objetiva-se também auxiliar nas auditorias dos setores que prestam cuidados assistenciais, visando a identificação dos erros e feedback ativo intersetorial buscando a sensibilização das equipes sobre os riscos gerados em decorrência do cuidado inseguro no trabalho. Metodologia: Relato de experiência decorrente de uma ação extensionista vinculada ao projeto de extensão intitulado Segurança Do Paciente e Integração Entre Ensino e Serviço: Uma Proposta de Extensão Universitária. Foi desenvolvido durante o período de 12 meses (janeiro a dezembro de 2022) em um hospital regional público de grande porte do oeste catarinense. A equipe era formada por um docente e três estudantes do curso de enfermagem da UFFS, e dois profissionais enfermeiros do serviço. A extensão foi realizada por meio de auditorias internas, relacionadas a segurança do paciente e controle de infecção de infecção hospitalar, nas unidades de internação: Clínica Médica, Clínica Convênio, Maternidade, Clínica Cirúrgica Geral, Clínica Traumato-Ortopédica, Neurologia, Oncologia Adulto, Oncologia Pediátrica, Unidade de Terapia Intensiva Adulto, Unidade de Terapia Intensiva Convênio, Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica e Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Para cada unidade de internação hospitalar, era necessário auditar dados mensais de no mínimo 50% da média de internação por setor/dia. Para dar conta da demanda solicitada, os estudantes realizavam uma visita semanal no referido hospital com duração média de 3 horas. Na auditoria eram adotados os instrumentos já utilizados pelo núcleo de segurança e serviço de controle de infecção. O Núcleo faz uso de um check list contendo áreas para a coleta das seguintes informações: identificação do paciente, pulseira de identificação e quadro preenchido com as informações do paciente, e campos com sim ou não para: Escala de Morse/ Humpty Dumpty/ Escala de Richmond de Agitação-Sedação - avaliação na admissão, reavaliação em 72 horas, risco alto de queda, uso de pulseira de risco de queda, grades laterais do leito elevadas -, Escala de Braden/ Braden Q/ Escala de Observação do Risco de Lesão da Pele em Neonatos - avaliação na admissão, reavaliação em 72 horas, risco alto de lesão por pressão, pulseira de risco de lesão por pressão, presença de lesão por pressão -, alergia a medicamento, e equipos de medicamentos dentro do prazo de validade. O serviço de controle de infecção utiliza 3 check list para: higienização de mãos, pacientes em isolamento e sondas vesicais de demora. Para o primeiro, foram coletadas informações sobre a disposição de sabonete líquido, papel toalha e álcool em gel nos postos de Enfermagem e no corredor da unidade, e disposição de álcool em gel nos quartos. Para os isolamentos, era verificada a disponibilidade de materiais fora do quarto - luvas, avental, óculos, álcool -, orientação dos familiares sobre os cuidados necessários com o isolamento, pulseira, etiqueta no prontuário e placa na porta de identificação de isolamento. Por último, para a auditoria das sondas vesicais, foram avaliados os seguintes aspectos: sonda dentro do prazo de validade, identificação da sonda, posicionamento da bolsa coletora abaixo do nível da bexiga do paciente, bolsa com no mínimo 10 cm de distância do chão, e volume de urina sem ultrapassar ¾ da bolsa coletora. Após a coleta ser feita nas unidades, os estudantes levavam os dados coletados ao Núcleo e para o Setor de Controle de Infecções a fim de adicionar aos sistemas de planilhas utilizados, para posterior análise interna e entrega de relatórios aos órgãos de vigilância. Análise e discussão: a experiência vivida pelos estudantes envolvidos no projeto durante os 12 meses de desenvolvimento foi de suma importância para a formação profissional, uma vez que permitiu uma visão aprofundada sobre os principais problemas/dificuldades existentes na prática do trabalho, bem como sobre a importância da sensibilização das equipes em relação aos cuidados em segurança do paciente. O primeiro ponto observado com clareza foi as diferentes organizações das equipes em cada unidade, permitindo a identificação das fragilidades em cada espaço, assim como dos erros mais comuns. Percebeu-se que o perfil das equipes é majoritariamente definido pela maneira com que o enfermeiro responsável gerencia a unidade, muitas vezes apresentando recorrentes falhas de segurança do paciente em pontos específicos, como falta de materiais para higienização de mãos ou falhas na identificação e fixação da sonda vesical de demora. Outro ponto a ser destacado, de maneira geral, é que a principal diferença no funcionamento das unidades é a conscientização acerca da importância da segurança do paciente pelas equipes, em especial entre as unidades de terapia intensiva e as demais unidades do hospital. Isso porque dentro do contexto da unidade de terapia intensiva as equipes, nitidamente, possuem maior controle na assistência aos pacientes, atentando-se com a contaminação, identificação do paciente e avaliação frequente de risco de queda e de lesão por pressão. Além disso, as equipes das unidades de terapia intensiva recebem capacitações de educação continuada com

maior frequência, permitindo que temas relacionados à segurança do paciente sejam abordados e discutidos entre todos. Em contrapartida, as demais unidades auditadas possuem outra conformação de trabalho, variando de maneira semelhante entre elas. Nesses setores as falhas de identificação do paciente, identificação e situação da bolsa de sonda vesical de demora e aplicação das Escalas de Morse e Braden são vistos com maior repetição. Sempre após as auditorias em cada unidade, era feito o repasse das falhas encontradas ao enfermeiro chefe, a fim de que eles possam estar cientes das fragilidades da equipe e possam dar o feedback para suas equipes. Vale ressaltar que nenhuma das conversas dos estudantes, com ou sem o acompanhamento do núcleo e do serviço de controle de infecção, com o enfermeiro teve caráter punitivo, mas sim para permitir que as auditorias sirvam de base para o reconhecimento dos erros e o planejamento de medidas para a melhoria da assistência. Por fim, vale destacar que ao longo do desenvolvimento do estudo nos 12 meses, foi possível perceber uma significativa melhora em alguns aspectos, os quais: mitigação dos erros observada com as auditorias em todas as unidades, melhor abertura do enfermeiro para o repasse das informações coletadas pelos estudantes, pois no início a comunicação era mais difícil, menor resistência em ouvir e reconhecer os problemas existentes na unidade por parte do profissional, e observação de melhorias que puderam ser feitas com o auxílio do núcleo e do serviço de controle de infecção hospitalar. Conclusão: Participar deste projeto de extensão e ter a oportunidade de auditar o serviço no que tange a segurança do paciente e controle de infecções relacionadas à assistência à saúde pode ser considerada uma experiência única no processo formativo enquanto futuros enfermeiros. As diferentes experiências semanais contribuíram sobremaneira para o reconhecimento da fundamentalidade da segurança do paciente e dos impactos gerados a partir de fragilidades neste âmbito. O contato com os setores responsáveis, núcleo de segurança e serviço de controle de infecção, proporcionou o conhecimento aprofundado do papel desempenhado por esses serviços, em especial pelos profissionais envolvidos, como os pilares da fiscalização e manutenção da qualidade da assistência em saúde.

Publicado
27-06-2023