Auriculoterapia como Ferramenta do Enfermeiro na Prática Avançada da APS:

Utopia ou Realidade? Um Relato de experiência

Autores

  • Maiara Daís Schoeninger Udesc
  • Letícia de Lima Trindade Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
  • Lucimare Ferraz Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
  • Carla Argenta Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC

Palavras-chave:

Descritores: Enfermagem, Auriculoterapia, Prática Clínica Baseada em Evidencia, Atenção Primária à Saúde, SUS

Resumo

Introdução: a globalização e as mudanças no processo saúde-doença da população são desafios que impactam no trabalho das equipes que atuam na Atenção Primária à Saúde (APS) e sobrecarregam o Sistema Único de Saúde (SUS)¹. As Práticas Integrativas e Complementares (PIC) constituem uma forma de atenção voltada ao atendimento integral e longitudinal e possuem uma capacidade importante de transformação da prática clínica, bem como potencialmente fortalecem a promoção da saúde¹. A auriculoterapia, baseada nos preceitos da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), é uma técnica realizada por meio do estímulo de pontos auriculares que harmonizam as funções dos órgãos e vísceras, a qual promove a saúde, estimula o autocuidado e previne doenças². Desse modo, as PIC podem ser utilizadas como ferramentas na prática clínica do enfermeiro em suas atividades assistenciais². Objetivo: relatar a experiência do uso da Auriculoterapia como ferramenta na Prática Avançada em Enfermagem no contexto da APS. Metodologia: relato de experiência com base em uma atividade proposta pela disciplina de Práticas no Cuidado ao Indivíduo, Família e Comunidade, do Mestrado Profissional em Enfermagem na Atenção Primária à Saúde da Universidade do Estado de Santa Catarina. O cenário das práticas foi uma unidade de Estratégia Saúde da Família do Município de São Miguel do Oeste, em Santa Catarina. A atividade derivou de um curso de Formação em Auriculoterapia para Profissionais de Saúde da Atenção Básica, disponibilizado gratuitamente pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A partir do curso, a prática da auriculoterapia passou a ser ofertada no cotidiano deste serviço, desde outubro de 2018. A aplicação da técnica, por meio da demanda espontânea, ocorre durante a consulta de enfermagem, quando evidenciado a necessidade de intervenção, principalmente em condições consideradas agudas. A continuidade do tratamento, bem como o acompanhamento de usuários com protocolo personalizado de acordo com as necessidades do mesmo, acontece semanalmente, especificamente na quarta-feira, em horário agendado, após o expediente. Já a prática da auriculoterapia com a utilização de protocolos de atendimento específicos, como grupo de tabagistas e crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) sucede também semanalmente, na terça-feira, após o expediente. Outra possibilidade de ter acesso a prática, é por meio do grupo de caminhada, que ocorre toda sexta-feira, no período matutino, neste caso, as sessões de auriculoterapia acontecem individualmente, após o retorno da atividade física, com foco em queixas álgicas crônicas e controle da ansiedade. Todas as sessões e atendimentos são registrados em prontuário eletrônico próprio do município, este alimenta as plataformas do Ministério da Saúde. Resultados e Discussão: O perfil dos usuários que buscam a prática da auriculoterapia é composto majoritariamente por idosos, em sua maioria do sexo feminino e que já desenvolveram alguma doença crônica não transmissível (DCNT). Em uma breve busca aos prontuários eletrônicos, evidenciou-se as principais queixas e necessidades destes usuários, entre elas: dores crônicas, ansiedade, insônia, hipertensão, tabagismo e obesidade. Nestes registros, pôde-se observar, diversos relatos de diminuição da ansiedade e irritabilidade, redução de queixas álgicas, melhora na qualidade do sono, moderação na utilização de fármacos analgésicos, diminuição na quantidade de cigarros/dia, redução das cifras tensionais em pacientes hipertensos, diminuição do apetite com foco no emagrecimento, entre outros. Esses relatos ponderam a eficácia da prática, como já evidenciado em diversos estudos científicos¹. Observou-se também com a inserção desta PIC no contexto da APS que a Enfermeira da unidade passou a conduzir os atendimentos de modo individual e coletivo, possuindo autonomia profissional e competência para tomar decisões clínicas, realizar avaliações, diagnósticos, prescrições e acompanhamento do início ao fim do tratamento, sendo referência e primeiro ponto de contato para os usuários que buscam essa prática. A conduta clínica por meio da auriculoterapia é norteada pela enfermagem baseada em evidências, que integra o conhecimento na área, a experiência clínica, as preferências do paciente e a aplicação do conhecimento científico, resultando na maior resolutividade da assistência prestada³. Essas ações contemplam todos os aspectos da Enfermagem na Prática Avançada (EPA), que por intermédio da qualificação profissional e do envolvimento dos demais atores sociais que compartilham o cenário de prática, alinhados às expectativas e competência profissionais, associam-se ao aumento e à melhoria da cobertura e do acesso aos serviços de saúde, diminuindo os custos públicos e fortalecendo a APS4. No contexto do cenário estudado, percebe-se que essas ações de EPA, ainda são pontuais e esporádicas. Por muitas vezes a falta de incentivo à qualificação profissional, impossibilita os enfermeiros da rede de desenvolverem seu olhar integral e sua autonomia diante da prática clínica, fator esse indicativo, de que nacionalmente ainda estamos longe de implementar de modo efetivo a EPA. Essa realidade é global e evidencia a necessidade dessa implementação nos serviços da APS em todo o mundo4. Estudos mostram elevados índices de satisfação de usuários que foram atendidos somente por enfermeiros, evidenciando que a prática avançada, além de ampliar a cobertura e o acesso aos serviços de saúde, oferece cuidados seguros e eficazes4. As reuniões locais de equipe multiprofissional, bem como, os encontros entre profissionais da categoria de enfermagem e gestores, são excelentes oportunidades para que as barreiras e potencialidades do tema sejam amplamente discutidas e refletidas, não somente relacionadas à PIC, mas principalmente em relação a EPA nos serviços da APS. Para que a implementação se torne real, serão necessárias reformas políticas claras e padronizadas na formação, remuneração, financiamento, definição dos papéis e atuação desses enfermeiros, além disso, os órgãos regulamentadores e fiscalizadores precisam estar articulados5. Considerações finais: A prática da Auriculoterapia é uma realidade presente em inúmeros municípios do país. Além disso, diversas são as estratégias e ferramentas utilizadas pelo Enfermeiro no fortalecimento da APS e para a melhoria do acesso e da qualidade dos serviços. Investir na qualificação desse profissional é essencial para a valorização, reconhecimento, diminuição da rotatividade, ampliação do vínculo com o usuário e o aumento da resolutividade. Esse processo é cíclico, não tão matemático assim, mas quando discutido e refletido, pode transformar os cenários dos sistemas de saúde e responder melhor às necessidades da população. O apoio da gestão a nível local é extremamente necessário, não somente relacionado a capacitação e fornecimento de materiais e insumos para realização das PIC, mas principalmente ao incentivo da qualificação profissional, por meio de educação permanente e continuada em saúde, pactuações com universidade e instituições de ensino, incentivo a formação e flexibilidade na carga horária para capacitação em nível de graduação e pós-graduação, plano de carreira, cargos e salários, incentivo financeiro, bonificações e gratificações, entre outras. Essas ações concedem ao profissional enfermeiro a constante autonomia, empoderamento e motivação necessária para lidar com os desafios da prática diária. Essas discussões também são extremamente necessárias para o fortalecimento da enfermagem como categoria em nível nacional. O potencial de programas de pós-graduação na modalidade de mestrado profissional deve ser considerado como uma alternativa e primeiro passo para a implementação efetiva da EPA no Brasil, principalmente no contexto da APS.

Descritores: Enfermagem, Auriculoterapia, Prática Clínica Baseada em Evidencia, Atenção Primária à Saúde, SUS

 REFERÊNCIAS

  1. Dalmolin IS, Heidemann ITSB. Integrative and Complementary Practices in Primary Care: Unveiling Health Promotion. Lat. Am. Enfermagem, [S. l.], 2020 jun; (28):e3277. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rlae/v28/0104-1169-rlae-28-e3277.pdf
  2. Moura CC, Lunes DH, Ruginsk SG, Souza VHS, Assis BB, et al. Action of ear acupuncture in people with chronic pain in the spinal column: a randomized clinical trial. Rev. Lat. Am. Enfermagem, [S. l.], 2018 set; (26):Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-11692018000100354&script=sci_abstract&tlng=pt
  3. Schneider LR, Pereira RPG, Ferraz L. A prática baseada em evidência no contexto da Atenção Primária à Saúde. Saúde debate, [S. l.], 2018 jul/set; 42(118). Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sdeb/v42n118/0103-1104-sdeb-42-118-0594.pdf
  4. Miranda Neto MV, Rewa T, Leonello VM, Oliveira MAC. Advanced practice nursing: a possibility for Primary Health Care?. Rev Bras Enferm., 2018; 71(Supl 1):716-21. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/reben/v71s1/0034-7167-reben-71-s1-0716.pdf
  5. Oldenburger D, Cassiani SHB, Bryant-Lukosius D, Valaitis RC, Baumann A, Pulcini J, et al. Estratégia para a implementação da enfermagem de práticas avançadas em atenção primária à saúde na América Latina e no CaribeRevista Panamericana de Salud Pública, Washington, 2017 jun; 41:e40. Disponível em: https://europepmc.org/article/PMC/6612740 

Publicado

22-04-2024