SISTEMATIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM: O TRATAMENTO DE LESÃO POR PRESSÃO EM UM INDIVÍDUO EM SITUAÇÃO DE RUA
Keywords:
Lesão por Pressão; Sistema Único de Saúde; Enfermagem.Abstract
Introdução: A saúde no Brasil fora negligenciada desde a época colonial, com foco na economia e no poder aquisitivo pela medicina privatista e curativista. O golpe militar de 1964 fomentou tal construção histórica, mas foi sufocado pelas fortes lutas dos movimentos sociais e pelo anseio de emancipação da população. O Sistema Único de Saúde (SUS), presente na Constituição Federal de 1988 foi a maior conquista dos brasileiros, evidente no Art. 196 “saúde é direito de todos e dever do Estado”¹. Analogamente, um fenômeno social que assume novas expressões nas sociedades contemporâneas é a existência de grupos sociais que vivenciam situação de rua. Uma pesquisa feita em 2015 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), projetou que o Brasil tinha mais de 100 mil pessoas vivendo nestas circunstâncias, marginalizadas pela sociedade, com inserções sociais precárias, mesmo com a existência da Política Nacional para a População em Situação de Rua (PNPSR), criada em 2009². A partir da óptica da área da saúde, nota-se que as lacunas do sistema são notórias e muitas vezes contraditórias, pois a realidade desses brasileiros não condiz com a utopia expressa na Constituição. Tais condições implicam em uma série de fatores de risco para determinadas patologias e constante ameaça à saúde, como infecções, lesões à pele, comorbidades, estado nutricional e hidratação insuficientes, perfusão tecidual, condições de mobilidade, assim fomentando o desenvolvimento das lesões na pele, em distintos níveis de predisposição, que podem se intensificar com o tempo e estado de saúde de cada indivíduo3. Objetivo: Relatar uma experiência vivenciada por acadêmicos de enfermagem da Universidade Federal do Pará (UFPA), a partir dos cuidados de enfermagem prestados a um indivíduo em situação de rua com Lesão por Pressão (LPP). Metodologia: Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, realizado na cidade de Belém do Pará, nos meses de março e abril de 2020, em uma campanha organizada por um hospital particular, durante os dias úteis da semana, em aproximadamente 120 minutos e pautado na National Pressure Ulcer Advisory Panel (NPUAP) de 2016, em sua última atualização, inserindo as nomenclaturas dos estágios do sistema de classificação, acompanhada da mudança da terminologia “úlcera por pressão” para “lesão por pressão”. O senhor atendido tinha 46 anos, estava com ataduras sujas e possivelmente contaminadas cobrindo a região ilíaca, referia dor e desconforto há aproximadamente 9 semanas. A mesmo relatou que procurou por serviços ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas teve seu acesso negado por não possuir documentações necessárias. Realizou-se o atendimento em uma garagem de uma casa cedida por uma funcionária da referida instituição e aplicou-se a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE), ao indivíduo anteriormente citado. Resultados e Discussão: Após a análise da lesão, foi identificado a presença de uma LPP Tissular Profunda, devido à perda da pele em sua espessura total, com área vermelho-escura persistente não branqueável, separação da epiderme revelando um leito da lesão escuro, com flictena de sangue e presença de dor com alteração de temperatura local, exsudato seropurulento, presença de odor fétido, espaço necrosado presente do tipo túnel, bordas prejudicadas com hiperqueratose, pele adjacente prejudicada pela alteração de sensibilidade, temperatura, coloração e integridade, em consonância com a NPUAP4. A assistência se deu de forma contínua por 60 dias, seguindo um tratamento implementado com medidas preventivas. Foi realizado tratamento tópico (com limpeza e desbridamento, ou seja, a remoção de tecidos desvitalizados para preparar o leito da ferida), seguindo a técnica asséptica e limpeza com soro fisiológico (SF) 0,9% morno e em jato, com cobertura de placa hidrocoloide e pomada com óxido de zinco. Os curativos foram trocados diariamente, pela tarde, apenas uma vez ao dia. Após o período de tratamento, a LPP involuiu por completo, havendo cicatrização completa da lesão, e o mesmo foi orientado a respeito das medidas de prevenção de LPP, adaptadas à sua realidade e solicitado a retornar sempre que possível para futuras reavaliações5.
A LPP evoluiu por não ter assistência e atendimento necessário em tempo hábil a fim de trata-la. É inegável o impacto dos discentes com a realidade social vivida pelo indivíduo que vive em extrema carência material, visto que os mesmos estão sendo formados para servir e integrar o SUS, isto é, a todos os brasileiros, sem distinção de classe social, cor, orientação sexual, cultura, religião e todas as demais pluralidades que formam o mosaico que caracteriza o Brasil. Ao se deparar com esta situação, questiona-se: quais as lacunas que impedem o funcionamento pleno do SUS? Se a universalidade, integralidade e equidade norteiam esse sistema, para garantir o acesso à saúde de forma universal a todos os brasileiros, o que levou esse brasileiro a ter os seus direitos negados colocando a sua saúde em risco constante? Isso não se dá de forma isolada, não é específico deste Estado, lutou-se tanto para desvincular o modelo médico privatista, excludente, baseado somente na cura de patologias, desse sistema de saúde. Qual o motivo de tamanho retrocesso? Considerações finais: As experiências adquiridas pelos discentes ratificam a importância de defender o SUS do passado e presente do país, exercê-lo na sua essência transformando uma linda utopia em realidade a todos, voltando os olhos da comunidade acadêmica e humanitária para aqueles que mais necessitam e são constantemente marginalizados pela sociedade, possibilitando a formação de enfermeiros qualificados, que possam exercer e fazer uma enfermagem verdadeiramente humanizada, garantindo e promovendo atendimentos igualitários e universais a todos aqueles que necessitarem, assim compreendendo e respeitando os seus direitos, especificidades e singularidades.
