ÉTICA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA EM TEMPOS DE COVID-19: A EXPERIÊNCIA DE UMA UNIDADE DE SAÚDE DE PORTO ALEGRE

  • Luiza Figueiredo Farias UFRGS/estudante
  • Carlise Rigon Dalla Nora
Palavras-chave: Ética; Saúde Pública; Pandemias; Enfermagem; Atenção Primária à Saúde.

Resumo

Introdução: o Brasil possui um Sistema Único de Saúde (SUS) com acesso universal, ou seja, qualquer  cidadão tem esse direito garantido pela Constituição 1988 “saúde é direito de todos e dever do estado” sendo possível ter assistência desde consultas ambulatoriais até cirurgias complexas.1 A Atenção Primária de Saúde (APS) é a porta de entrada ao SUS uma vez que referencia os usuários as demais setores.2 Dentro desse cenário complexo de saúde pública está a Enfermagem que atua como profissão fundamental para a organização do sistema, assim como em todos os cenários há enfrentamentos éticos na prática assistencial. Diante da Pandemia de COVID- 19 os atravessamentos de problemas éticos se potencializam, uma vez que os profissionais estão na linha de frente de um vírus que até então não se tem tratamento e com altas taxas de transmissibilidades.3 As condições e carga horária de trabalho, exposição, medidas de proteção são variáveis da práticas dos profissionais da linha de frente e que por vezes os colocam em situações de problemas éticos. Problemas éticos são situações que inquietam perturbam a consciência dos enfermeiros,4 tais situações podem ser percebidas como desafios, fontes de conflitos entre valores e deveres e existem vários cursos de ação para sua solução, o que requer deliberação e ponderação para se encontrar o melhor caminho de resolução. Objetivo: relatar a experiência ética de uma acadêmica de enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) durante o estágio curricular da Atenção Básica frente à pandemia de COVID-19. Metodologia: trata-se de um relato de experiência realizado em uma Unidade de Saúde da Família (USF) do município de Porto Alegre/RS, entre os meses de fevereiro a junho de 2020 durante o estágio curricular da Atenção Básica realizada pela acadêmica do nono semestre do Curso de Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Fazem parte da equipe de USF enfermeiro, médico, técnicos de enfermagem, Agente de Combate a Endemias (ACE) e Agente Comunitário de Saúde (ACS). Resultados e Discussão: acredita-se que a enfermagem deve atuar para que o usuário tenha uma assistência qualificada, resolutiva, ética e calcada nos equidade, integralidade e universalidade. Nesse sentido, as consultas de enfermagem realizadas no serviço pela acadêmica foram supervisionadas pela preceptora e tiveram uma abordagem de saúde integral onde a avaliação foi além das queixas pontuais trazidas pelos usuários, ou seja, foi necessário um olhar global para entender o processo saúde-doença. Com o advento do COVID-19, muitas incertezas se instalaram na prática assistencial da equipe de saúde primária e nos usuários. Em um primeiro momento, enquanto acadêmica enfrentei problemas de cunho éticos no atendimento ao usuário, pois não havia (até então) institucionalização por parte do Estado de normas e/ou protocolos de atendimento e distribuição de equipamentos de segurança na APS. Assim, surgia o questionamento como seria possível ofertar assistência qualificada de enfermagem sem estar minimamente protegido de um inimigo invisível? Acredito que o enfermeiro tem a obrigação ética de proteger seus pacientes de danos, através da prestação de cuidados de qualidade, como expresso no Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, sendo que cabe ao profissional prestar assistência de Enfermagem livre de danos decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência.5 Diante desse cenário, inicialmente a UFRGS retirou os alunos dos campos de atividades práticas, após dois meses de afastamento com a instituição de protocolos assistenciais, distribuição de equipamentos de proteção individual e de fluxos estabelecidos pelos serviços de APS, os alunos retornaram ao estágio, se assim desejassem. Com cenário de pandemia instalado, alguns  fluxos de trabalho foram alterados. Os ânimos da equipe de saúde ficaram exaltados, uma vez que os processos de trabalho não eram os usuais, por vezes, usuários foram desrespeitosos com integrantes da equipe quando lhes foi exigido seguir as orientações de uso de máscara das dependências da unidade de saúde, por exemplo. Diante de um cenário de inconsistências a população esperava da equipe de saúde respostas e orientações. Foi possível identificar problemas de cunho éticos ao longo do cenário de pandemia, como por exemplo: processos de trabalhos alterados devido a demanda aumentada de atendimentos, relações interprofissionais prejudicadas devido aos ruídos de comunicação entre a equipe, questões relacionadas a confidencialidade de exame COVID 19 dos usuários; situações de esgotamento físico e mental dos profissionais; dificuldades no processo de triagem para definir prioridades no atendimento clínico nas situações, em que coexistem doentes não infectados com os doentes infectados devido a infraestrutura inadequada da unidade para receber esses possíveis usuários infectados, inserção de práticas da Telemedicina em consultas a usuários infectados. Essas questões fazem parte da dinâmica das equipes de saúde e alguns são fatores ligados ao contexto de pandemia A pandemia de COVID 19 trouxe a luz as desigualdades sociais, econômicas, éticas e políticas do Brasil e frente a isso o SUS é para muitos usuários a única possibilidade de acesso à saúde. Logo, se faz necessário fortes investimentos para que o sistema consiga suprir as demandas assistenciais urgentes que se multiplicam a cada dia com a pandemia. A postura ética e a conscientização da população tem reflexos na forma como ela se comporta diante das orientações para evitar disseminação do vírus, pois esses também são problemas de cunho ético, uma vez que o comportamento individual desprotegido expõe aqueles estão  respeitando as orientações. Logo a autonomia de uma pessoa infectada pode causar sérios danos aqueles quem ela expos. Considerações finais: Essa experiência despertou o olhar da acadêmica para as situações de agravamento dos problemas éticos na APS em situação de pandemia, onde os profissionais de saúde, em especial os enfermeiros são um grupo muito vulnerável no combate a esse vírus. Há mortes de enfermeiros em vários estados desde que se iniciou a atual pandemia. Para além disso, existem riscos de natureza psicológica como sofrimento moral, burnout, estresse, depressão e consequências sociais como o desemprego, mortes, violências e aprofundamento das desigualdades sociais nas comunidades. Essa experiência no serviço fez perceber a importância da enfermagem para a confiabilidade, a consciencialização e a responsabilidade para com o usuário no sentido de estabelecer o cumprimento das estratégias de saúde pública (distanciamento social, higiene e proteção pessoal).

Publicado
08-04-2024