PRÁTICA DE ESCRITA NO OESTE CATARINENSE: UMA HISTÓRIA DE ESCRITA EPISTOLAR A PARTIR DO ACERVO DA FAMÍLIA BERTASO

  • Isabel Schapuis Wendling Universidade Federal da Fronteira Sul Chapecó
  • Fernando Vojniak

Resumo

PRÁTICAS DE ESCRITA NO OESTE CATARINENSE: uma história da escrita epistolar a partir do acervo da família Bertaso

 

ISABEL SCHAPUIS WENDLING[1], FERNANDO VOJNIAK[2]

 

1 Introdução/Justificativa

Estudar a história das práticas de escrita na região Oeste Catarinense a partir da análise do acervo de correspondências da família Bertaso, família do principal empresário de colonização da região, o Coronel Ernesto Bertaso. Há poucos anos a família Bertaso, uma das famílias proprietárias da Colonizadora Bertaso, Maia e Cia. doou para o CEOM (Centro de Memória do Oeste de Santa Catarina), grande parte de seu acervo. Esse acervo familiar foi tombado pelo município de Chapecó em 09 de agosto de 1993 através de lei municipal n. 3.202. No entanto somente agora está sendo disponibilizado integralmente para os pesquisadores. Dentre esses documentos, há muitos relativos a própria colonizadora, mas há também um rico acervo pertencente a vida privada da família Bertaso. Especialmente nesse projeto, nos interessa um conjunto de correspondências familiares, principalmente trocadas entre os filhos Elza Bertaso e Serafim Bertaso com seus pais durante o período de formação escolar quando viveram longe da família. As cartas enviadas no período de 1914 a 1935 permitem analisar a construção e formação da família de elite, a prática de escrita infantil e vida escolar para crianças de certa elite.

 

2 Objetivos

Buscou-se entender as condições da emergência da escrita íntima, da cultura epistolar, as condições subjetivas dos missivistas, mas também das práticas e da materialidade da escrita e da leitura no Oeste Catarinense a partir da análise teórico-metodológica da pesquisa histórica.

 

Objetivos Específicos:

  1. a) a relação da escrita epistolar com os processos de escolarização das elites locais, buscando compreender a normatividade da cultura letrada, bem como, as possibilidades de desvio e transgressão diante da norma;
  2. b) a escrita epistolar como escrita de si, uma prática que, através da narrativa, o sujeito constitui sua subjetividade através de um complexo jogo de ficcionalização e performatividade da existência.

 

3 Material e Métodos/Metodologia

Utilizou-se do arquivo epistolar da família Bertaso, utilizando especialmente das cartas remetidas pelos irmãos Elza e Serafim Bertaso aos pais.

Analisou-se as cartas a partir dos conceitos de arquivo epistolar, cartas intimas e escrita de si.

 

4 Resultados e Discussão

No ano de 1914 Elza é enviada pelos pais a Guaporé para estudar em um colégio interno, a mesma coisa ocorre alguns anos depois, em 1920, com seu irmão Serafim, mas que é mandado a São Paulo. Os dois irmãos, vindos de uma família com um poder social e aquisitivo muito alto e em crescimento, são distanciados por vários anos dos pais para terem uma educação “adequada” aos padrões de uma família de elite. Nesse período em colégios internos, Elza e Serafim passam a se corresponder com seus pais, ambos impulsionados pela distância e com o estimulo da escola que utilizava da escrita epistolar como matéria educacional.

Para isso, foi investigado como era a instituição familiar no século XIX e XX, adentrando na família Bertaso, pensando como o pacto epistolar poderia demonstrar e expressar essas relações dentro dessa família. Maria Teresa do Santos Cunha, “a troca de intimidades e sentimentos permite pensar sobre um pacto epistolar” (2013, p. 120) Considerando esse pacto, um tratado informal entre os correspondentes, que confirma e afirma a relação entre os escreventes, pacto esse que só é firmado quando ambos correspondentes atentam em escrever, tanto quanto o outro, e cada um vai se revelando conforme o pacto vai se firmando, os laços do relacionamento vão se amarrando. Portanto, percebeu-se que para os pais, Ernesto e Zenaide Bertaso, as cartas enviadas pelos filhos tinham intuito de manter o contato entre a família, assim escreviam quando sentiam saudades ou para informar como andava as coisas na casa. Além disso, as cartas eram vistas como forma de relatório escolar, especialmente nos primeiros anos nos internatos dos dois irmãos. Dessa forma, o filho e a filha acabavam escrevendo e remetendo muito mais cartas do que seus pais, que lamentavam quando não recebiam cartas, mas pouco se preocupavam em estar se prolongando nas cartas aos filhos. Ângela de Castro Gomes, ao abordar a influência que a escola tem nas construções epistolares diz: “Cartas são assim, um tipo de escrita que tem fórmulas muito conhecidas, porque são aprendidas, inclusive nas escolas” (GOMES, 2004, p. 20).

Ainda analisando a questão escolar, refletiu-se sobre o currículo ofertado pelas instituições, quais as matérias cursadas por Elza e Serafim, e notou-se que cada um teve uma educação formadora para aquilo que seguiriam no futuro. Elza recebia uma educação feminina, voltada aos cuidados da casa e da família. Ela aprendeu matérias de cunhos gerais, como história, matemática, gramática, etc., mas também estudou matérias como atividades com a agulha, ginástica de salão, ginástica sueca, e matérias de cunho religioso. Elza seria capaz de educar seus filhos para a sociedade, cuidar do marido, costurar as roupas, manter a família próxima a igreja e a deus. Serafim cursava matérias de cunho militar e que lhe preparassem para cursar a graduação: como física, química, história geral, instrução militar. Preparando-o para uma futura profissão de cunho elevado, uma vida pública e com conhecimento político.

Por fim, se analisou a escrita de cartas dos irmãos como uma prática, esmiuçando desde os problemas gramaticais, os usos das normas padrões e as fugas, os assuntos e materiais de escrita.

Como objetos materiais, recheados de práticas culturais de uma época, as cartas trazem marcas da modelização de práticas de escritas escolares, seja na caligrafia caprichada, seja nos borrões disfarçados e até na observância dos protocolos de correspondência ensinados em tantos manuais que circularam no espaço escolar como, por exemplo, aqueles que normatizavam o uso correto das linhas tracejadas ou mesmo as formas de tratamento cerimoniosos ensinadas. (CUNHA, 2013, p. 120)

 

Percebeu-se que nos primeiros anos de produção de cartas de Elza e de Serafim as cartas de ambos tinham formas muito semelhantes: escritas em papel com timbre escolar, seguiam atentamente as normas dos secretários, contavam sobre sua saúde e cotidiano escolar. Mas, conforme o passar dos anos e mudanças de escola a forma de escrita das cartas mudam bastante. Elza escreve mais que anteriormente, mas pouco se permite opinar sobre seu cotidiano, quando opina é de forma rápida e entremeios a outras informações, nunca é a parte de maior destaque na carta. Já Serafim passa a se desdobrar na escrita de suas cartas, escrevendo várias páginas sobre seu cotidiano e vivências expressando com clareza suas opiniões.

 

5 Conclusão

As cartas de Elza e Serafim nos primeiros anos eram escritas como forma de relatório aos pais, pouca habilidade possuíam quanto arte da escrita epistolar, mesmo que seguindo com cuidado aos padrões indicados pelas escolas.

            Elza escrevia cartas mais curtas e sempre que podia o conteúdo era sobre a sua família ao qual estava longe. Já Serafim escrevia cartas longas e pouco comentava sobre a família, escrevendo muito mais sobre si e sua relação com a escola, o menino expressava muito sua opinião sobre determinados assuntos, já a menina Elza, era mais pragmática, expressava pouco opiniões e era direta nos assuntos. 

            A escrita de cartas desses irmãos era uma prática em construção na qual ao longo dos anos foram sendo escritas com maior habilidade de ambas as partes, contudo, as cartas apesar de nos primeiros anos serem escritas de forma bastante semelhantes, com o passar dos anos, os irmãos Elza e Serafim, passam a escrever de forma bastante distinta um do outro, o que nos faz pensar que teria relação com a educação diferenciada que receberam na infância unido com suas subjetividades e gênero.

 

Referências

DIAZ, Brigitte. O Gênero epistolar ou o pensamento nômade. São Paulo: Edusp, 2016. pp. 272.

 

CUNHA, M. T. S. Do Coração à Caneta: Cartas e diários pessoais nas teias do vivido (Décadas de 60 e 70 do século XX). História: Questões & Debates, v. jul./dez., n. 59, p. 115–142, 2013

 

GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. In: GOMES, Ângela de Castro. Escrita de si, escrita da História. Rio de Janeiro: Fgv, 2004. p. 7-26.

 

Palavras-chave:

Oeste Catarinense. Escrita Epistolar. Família Bertaso. Práticas de Escrita.

 

Financiamento

FAPESC – Edital

 

[1]     Graduanda em História, Universidade Federa da Fronteira Sul, campus Chapecó, Bolsista. Contato: isabel.wendling@live.com

[2] Doutor em História, professor da Universidade Federal da Fronteira Sul, campus Chapecó, orientador. Contato: fernando.vojniak@uffs.edu.br

Publicado
13-09-2018