A LÍNGUA E OS INSTRUMENTOS LINGUÍSTICOS NA REGIÃO DAS MISSÕES

  • Bruna Luiza Mallmann Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Cerro Largo
  • Caroline Mallmann Schneider

Resumo

1 Introdução/Justificativa

A presente pesquisa buscou refletir sobre os efeitos de sentido produzidos no Museu das Missões, considerando-o como um espaço linguístico, histórico e ideológico.  O Museu das Missões, criado em 1940 pelo decreto-lei nº 2.077 e assinado por Getúlio Vargas, foi vanguardista na reunião, conservação, pesquisa e divulgação das imagens e da história relacionada aos Setes Povos das Missões Orientais. O acervo museológico é composto por imagens de santos, anjos e mártires em madeira policromada que datam dos séculos XVII e XVIII, o museu representa uma das mais importantes coleções públicas do Mercosul (BOTELHO; VIVIANO; BRUXEL, 2015).

Os museus são instituições que amparam determinados discursos, a fim de cristalizar determinados sentidos, produzindo uma memória institucionalizada, a qual, no entanto, não nos remete ao real ou ao verdadeiro. Assim, nossa reflexão visa a trabalhar os efeitos da memória discursiva, a qual está na base da constituição dos discursos e permite que novos sentidos sejam produzidos. Entendemos que o discurso jamais é neutro e a produção escultórica dentro das reduções é compreendida como produto de discursos que cristalizam determinados sentidos, sustentados pela ideologia dominante da época.

Nosso interesse nessa pesquisa justifica-se pela necessidade da reflexão em torno da existência de processos de resistência indígenas enquanto sujeitos dentro dessa nova configuração societal. Logo, observar a maneira como o Museu é determinado histórico e ideologicamente, produzindo efeitos de sentido em torno da língua, da memória e da história que é preservada/guardada nesse espaço, contribuiu, sobremaneira, para a refletirmos sobre a relação língua e cultura.

 

2 Objetivos

            O objetivo central de nossa pesquisa foi o de observar a maneira como os discursos do/no Museu das Missões são determinados histórico e ideologicamente, produzindo efeitos de sentido em torno da língua, da memória e da história que estão ali preservadas/guardadas. Para tanto, refletimos discursivamente sobre a memória e a história que estão preservadas/guardadas no Museu das Missões, bem como explicitamos o funcionamento discursivo dos efeitos ideológicos e de relações de poder constitutivos dos discursos do/no Museu das Missões. Além disso, destacamos os possíveis modos de resistência constitutivos dos discursos do/no Museu das Missões e seus efeitos de sentido.

 

3 Material e Métodos/Metodologia

O desenvolvimento desse estudo embasou-se nos pressupostos teórico-metodológicos da História das Ideias Linguísticas em articulação com a Análise de Discurso de viés pecheuxtiano e teve como objeto de estudo o Museu das Missões. Tendo em vista tal objeto, selecionamos nosso corpus de análise, o qual foi composto por alguns dos artefatos históricos, que fazem parte do arquivo do referido museu. Esses artefatos são significativos, pois são materialidades significantes, são discursos, uma vez que produzem um efeito de memória, fazem ressoar determinada historicidade e produzem um recorte do real que se manifesta conforme o funcionamento ideológico e político ao qual está inserida (ORLANDI, 2012).

Após a constituição de nosso corpus analítico, lançamos alguns gestos de interpretação, ao quais foram balizados pelo dispositivo teórico e analítico mobilizado. Vale destacar que, na perspectiva em que nos situamos, não trabalhamos com uma metodologia pronta e fechada, justamente pelo fato de a HIL, articulada à AD, propor um olhar interpretativo sobre o objeto de análise. Assim, através do dispositivo teórico oferecido pela AD, mobilizamos, conforme a nossa questão de pesquisa sobre o objeto de análise, determinado dispositivo analítico. Desse modo, o dispositivo teórico e metodológico constitui-se, especialmente, pelas noções de: língua, discurso, sujeito, ideologia, história, silenciamento e memória discursiva.

 

4 Resultados e Discussão

Tendo em vista tal pressuposto, compreendemos a historicidade e a memória que afetam e são constitutivas do Museu das Missões a partir da análise de alguns dos artefatos históricos que compõe o arquivo que é ali guardado. Entre os vários mecanismos de conversão católica, as imagens aparecem como um dos mais influentes, uma vez que a imagem causa impressões sobre o espectador.

Considerando as imagens, observamos que são representações culturais que podem ser analisadas em decorrência das condições de produção as quais foram expostas, sendo, assim, produto dos discursos políticos ideológicos que circulavam na época. Ou seja, a presença de uma ideologia dominante, no caso religiosa, dentro das reduções afetou diretamente na constituição dessas imagens hoje guardadas no Museu das Missões.

Assim, consideramos que, nas reduções, existiu a identificação dos sujeitos índios guaranis com ideologia dominante, e também ali ocorreram processos de resistência acentuados, principalmente, na evidência das composições do estatuário missioneiro. Contudo, segundo Boff (2002), à medida que o domínio das técnicas para a produção escultórica do estatuário missioneiro foi alcançado, os indígenas passaram a empenhar-se em uma nova estilística, fazendo com que fosse rotineira a imaginação nativa ancestral exposta sutilmente nas imagens. Essa mescla de elementos nativos na escultura, baseada nos modelos europeus, resultou numa produção peculiar.

Os materiais mais usados eram encontrados na própria região, de acordo com Boff (2002), a madeira geralmente utilizada era o cedro e o igary e os corantes eram extraídos de plantas, a flor de maracujá também foi muito usada na decoração e simbolizava a paixão de Cristo. Essa intervenção guarani nos moldes europeus é vista em inúmeras referencias do seu ambiente, como a folha da alcachofra, as flores campestres e os frutos, como o apepu e o milho.

Dessa forma, a imagem barroca passa a operar junto ao imaginário dentro das reduções e ressignificar o mundo dos indígenas, estabelecendo uma relação de devoção do sujeito para com o objeto. No entanto, como a relação com a ideologia é um ritual com falhas, como destaca Orlandi (2017), e a falha é o lugar do possível, do possível que não seja assim, o deslizamento de sentidos em que o silenciado irrompe em gestos de resistência. E no interior dessa conjuntura em específico, o processo de resistência, que aqui podemos chamar de contraidentificação do sujeito com a ideologia dominante, ocorreu no interior do sistema, ao introduzir esses elementos nativos nas imagens produzidas, sem desencadear em ruptura social.

Podemos dizer que o processo de identificação dos sujeitos indígenas frente à ideologia dominante (religiosa) não aconteceu sem que esses deixassem suas marcas de resistência ao inserirem em suas produções determinados traços como um meio de manifestar suas singularidades culturais, nelas foram incorporados elementos naturais cultura e ancestralidade guarani, funcionando assim, enquanto um processo que produz uma narratividade. A questão da narratividade, segundo Orlandi (2017), aparece como a maneira pela qual uma memória em processos identitários do sujeito vincula sua existência a espaços de interpretação determinados, consoantes a específicas práticas discursivas.

 

5 Conclusão

Os estudos dessas imagens, entendendo-as como discurso, tem nos servido como um meio para entendermos mais sobre as práticas discursivas e sociais. Considerando nosso objeto de estudo em específico, as imagens foram também muito empregadas como instrumento para divulgar e impor crenças. Ou seja, as imagens religiosas foram um importante instrumento à disposição dos jesuítas, no seu trabalho de evangelização dos índios guarani reduzidos na Missão de São Miguel Arcanjo.

Desse modo, o arquivo do Museu das Missões provoca uma série de discussões com relação ao imaginário social de sujeitos e grupos envolvidos já que a memória discursiva permite que outros sentidos sejam produzidos, pois, ao mesmo tempo em que há uma história e memória evidenciadas e postas em circulação, há outras que estão apagadas e/ou silenciadas, efeito do ideológico e do político. A esculturas nos provocam o desejo de ver para além do que temos diante dos olhos, construindo um campo vasto para interpretações.

 

Referências

BOFF, C. A Imaginária Guarani: o acervo do Museu das Missões. Dissertação de pós-graduação em história. Universidade do Vale do Rio dos Sinos. São Leopoldo, 2002. p.184.

BOTELHO, A. A.; VIVIAN, D.; BRUXEL, L. Museu das Missões. Brasília, DF: Ibram, 2015. p. 80.

ORLANDI, E. P. Discurso em Análise: sujeito, sentido, ideologia. Campinas, SP: Pontes Editores, 2012.

ORLANDI, E, P. Eu, Tu, Ele: discurso e real da história. Campinas, SP: Pontes Editores, 2017.

 

Palavras-chave: memória; resistência; discurso.

 

Financiamento

PIBIC/UFFS

Biografia do Autor

Bruna Luiza Mallmann, Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Cerro Largo
Bruna Luiza Mallmann, bolsista CNPq, acadêmica do curso  de Licenciatura em Letras - Português e Espanhol da Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Cerro Largo.
Publicado
13-09-2018