CONSTITUIÇÃO, FORMULAÇÃO E CIRCULAÇÃO DO CONHECIMENTO LINGUÍSTICO NO SUL DO BRASIL

  • Yasmin Schreiner Heinzmann Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Cerro Largo
  • Caroline Mallmann Schneiders Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus Cerro Largo

Resumo

1 Introdução/Justificativa

Na presente pesquisa, buscamos explicitar alguns gestos de interpretação acerca do processo de historicização da língua alemã nas Missões do RS. Compreendemos que a língua alemã sofreu um processo de interdição neste espaço sócio-histórico das Missões, interdição esta regulamentada por uma série de políticas de línguas, vinculadas ao Estado Novo de Getúlio Vargas, as quais afetaram o modo como essa língua germânica historicizou-se e circulou neste espaço.  

Neste sentido, refletimos sobre os efeitos produzidos por/através dessas políticas de língua, durante a “Campanha de Nacionalização”, de Vargas, bem como lançar um olhar analítico a respeito dos discursos que circulam sobre/da língua alemã neste contexto sócio-histórico. Nos interessou também, compreender como os Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE’s) irão (in)vibializar a circulação da língua alemã neste espaço, a citar, a Escola, a Igreja e a Imprensa (jornais), analisando seu funcionamento no contexto abordado.

 

2 Objetivos

Compreender o processo de historicização da língua dos imigrantes alemães nas Missões do RS.

 

3 Material e Métodos/Metodologia

Essa pesquisa está ancorada na perspectiva da Análise de Discurso pecheuxtiana, articulando questões que envolvem os estudos enunciativos discursivos, bem como com a História das Ideias Linguísticas, tal como se desenvolvem nos dias de hoje. Para elucidar o processo histórico e linguístico abordado, analisamos entrevistas realizadas com sujeitos que nasceram entre os anos de 1920 e 1940, com o objetivo de compreender os efeitos produzidos pelas políticas de interdição da língua alemã, vinculadas ao Estado Novo, de Getúlio Vargas, e a projeção que tiveram na vida dos sujeitos e no percurso dessa língua germânica. Tais entrevistas foram realizadas no primeiro ano de nossa pesquisa (2016-2017), e tornaram-se ainda nosso objeto de estudo nessa segunda fase do projeto. A partir das entrevistas, realizamos recortes discursivos, os quais constituíram o nosso corpus de análise, cujo critério de seleção foram marcas linguísticas que nos permitiram compreender os efeitos das políticas de interdição.

Além das análises das entrevistas, mobilizamos  o jornal “O Cerro Largo”, publicado durante os anos de 1957 à 1967, objetivando compreender os efeitos que foram produzidos pelas políticas de língua no Estado Novo no que se refere à determinação da circulação da língua alemã. Com essa reflexão, buscamos evidenciar como o jornal, a imprensa, enquanto AIE, representa e faz circular a língua e os discursos oficiais, dentro de relações de poder estabelecidas.

Assim, o dispositivo teórico e metodológico mobilizado constituiu-se, especialmente, pelas noções de língua, discurso, sujeito, ideologia, história, silenciamento e memória discursiva.

 

4 Resultados e Discussão

Ao delimitarmos nosso corpus analítico, constituído por entrevistas e jornais, nos ancoramos na noção de discurso como efeito de sentido entre interlocutores, partindo da perspectiva da Análise do Discurso de linha francesa. Neste sentido, compreendemos, pois, que o discurso nunca é neutro, mas ideológico, sendo que, o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia. Pêcheux (2009) afirma que o sujeito é sempre interpelado em sujeito pela ideologia, bem como pelo simbólico, resultando assim, em uma forma-sujeito, que é histórica, determinada por fatores sociais, institucionais e pelo Estado. Para tanto, o sujeito nunca está fora da exterioridade, mas se constitui por e através dela, sendo interpelado pela ideologia, pelo simbólico, pelo Estado e por fatores sociais e institucionais.

Como aporte teórico fundamental em nossa pesquisa, lançamos um olhar analítico sobre o processo de historicização e interdição da língua alemã, a partir da compreensão dos Aparelhos Ideológicos do Estado, tal como nos propõe Althusser (1980). Para o autor, os AIE’s funcionam preponderantemente pela ideologia, e, de modo secundário, pela violência. Ao discutirmos sobre os AIE’s em nossa pesquisa, nos detemos em três deles: a Escola, a Igreja e a Imprensa.

            Althusser compreende que “a Escola (mas também outras instituições como a Igreja ou outros aparelhos como o Exército) ensinam <<saberes práticos>> mas em moldes que asseguram a sujeição à ideologia dominante ou manejo da <<prática>>” (1980, p. 22). Em nosso corpus, foi possível refletir sobre o funcionamento desse AIE dentro do contexto da interdição da língua alemã, conforme os recortes a seguir apresentados.

 

RDA (Entrevista 1): “Na escola, primeiro aprendi o alemão e depois português, mas era obrigado que esse fosse falado. Na escola, quando não falávamos o português, nós apanhávamos e tinha que se ajoelhar em um canto.”

 

RDA (Entrevista 3) “A primeira língua que eu aprendi foi a alemã, de pequena, e depois tinha que aprender o português, no tempo da escola (...) Eu gostava muito do alemão porque a gente é de origem alemã e o português a gente precisa depois para entrar nas escolas, nos estudos, mas o alemão foi muito importante. Nas escolas principais, mais altas, depois não ensinavam mais alemão, ninguém falava, daí a gente tinha que “se virar”, aprender português.

 

 

Através dos sentidos mobilizados nos/pelos discursos acima, podemos perceber o funcionamento do AIE escolar, o qual vêm para regulamentar os dizeres, determinando como língua oficial, a Língua Portuguesa. Evidenciamos esse funcionamento através das expressões: “Na escola, primeiro aprendi o alemão e depois português, mas era obrigado que esse fosse falado”, “o português a gente precisa depois para entrar nas escolas, nos estudos, mas o alemão foi muito importante. Nas escolas principais, mais altas, depois não ensinavam mais alemão, ninguém falava, daí a gente tinha que “se virar”, aprender português”.

A escola funciona, portanto, pela ideologia, mas pode funcionar pela violência. Há, para tanto, além do AIE escolar, o AIE religioso funcionando, pois, é no ato de ajoelhar-se que se restituiria o erro perante ao que se têm por certo e ao que se instituiu.

Também, podemos perceber o funcionamento do AIE em diálogo com o AIE imprensa. Para melhor explicitar essa relação, analisamos um fragmento do jornal “O Cerro Largo” (1957, ANO I), que traz requisitos que são solicitados para poder exercer cargo de magistério público. Ser brasileiro é um dos critérios, ou seja, infere-se que não sendo brasileiro, não pode lecionar, o que nos faz refletir: mesmo sabendo português, alguém de outra nacionalidade seria impedido de exercer o cargo justamente por ser de outra nacionalidade? Qual o critério para tal requisito? Além disso, nos chamou a atenção o requisito “estar apto pro cargo”, mas o que é estar apto ao exercício do cargo, ou seja, quais os profissionais que “poderiam” circular nesses espaços?  O requisito condições especiais igualmente, deixando em aberto essas condições e quais seriam elas para o exercício de determinados cargos.

Ao analisar os jornais, foi possível observar que a língua em circulação nesse meio era a Língua Portuguesa. Esperávamos encontrar alguma palavra ou manifestação em Língua Alemã, mas não encontramos. Isso reflete significativamente o que se viveu durante o Estado Novo, vindo a se materializar, portanto, pós Estado Novo. O que nos chamou a atenção é que o município de Cerro Largo, sendo em sua grande maioria de origem germânica à época, não tinha a língua de origem desses sujeitos representada no primeiro jornal de circulação no município. Isso revela o quanto a Imprensa, o escrito mantém relações de poder, ou seja, é através da escrita que se é oficializado e que circula a língua tida por oficial.

 

5 Conclusão

Compreendemos que se faz necessário realizar uma reflexão a respeito do processo de historicização da língua dos imigrantes alemães nas Missões do RS, pois permite-nos explicitar o horizonte de retrospecção de uma língua que foi marcada por políticas de interdição e repressão linguística, em prol da homogeneidade linguística. Vale destacar que a língua alemã não foi totalmente apagada de nossa região, ela circula, mesmo que de maneira reduzida, sendo parte da riqueza cultural das Missões.

Biografia do Autor

Yasmin Schreiner Heinzmann, Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Cerro Largo
Acadêmica do curso de Letras Português e Espanhol- Licenciatura da Universidade Federal da Fronteira Sul- Campus Cerro Largo. Bolsista do projeto de pesquisa " Constituição, formulação e circulação do conhecimento linguístico no sul do Brasil" (Bolsista FAPERGS/Edital Nº 315/UFFS/2016)
Publicado
13-09-2018