PRÁTICA AGROECOLÓGICA E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL EM ACAMPAMENTOS E ASSENTAMENTOS RURAIS: CONSIDERAÇÕES A PARTIR DE DIFERENTES CASOS NO PARANÁ

  • Karin Cristina Siben Ribas Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Laranjeiras do Sul
  • Roberto Antonio Finatto Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Laranjeiras do Sul

Resumen

1 Introdução

A agroecologia é uma importante estratégia para a reprodução socioeconômica das famílias camponesas em diferentes áreas do país. As bases que estruturam a agroecologia permitem romper a relação de dependência da produção agrícola com as indústrias multinacionais e os oligopólios que atuam no agronegócio e, ao mesmo tempo, aumentar a autonomia relativa dos sujeitos que a praticam. Isso só é possível por meio da valorização e uso das potencialidades dos territórios camponeses, tanto aqueles relacionados com os aspectos físicos (tipo de solo, relevo, etc.) como os aspectos culturais presentes no conhecimento tradicional acumulado pelos sujeitos que vivem no campo.

Esta pesquisa, ainda em curso, pretende identificar e analisar as características e o potencial da agroecologia para o desenvolvimento territorial da agricultura camponesa em assentamentos e acampamentos rurais no Paraná. Neste trabalho, será abordado o caso da produção agroecológica do acampamento Herdeiros da Terra de 1° de Maio, localizado nos municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Nova Laranjeiras, região Centro-Sul do Paraná.

O acampamento citado foi formado em julho de 2014 com a tenacidade de mais de 2 mil famílias, totalizando aproximadamente 5 mil pessoas. Os acampados, que no início se concentravam em uma única área, estão, atualmente, distribuídos em seis diferentes espaços: Herdeiros I, Herdeiros II (Alojamento), Herdeiros III (Lambari), Herdeiros IV (Guajuvira), Ponte e Eucalipto.

2 Objetivo

Identificar e analisar as características e o potencial da agroecologia para o desenvolvimento territorial da agricultura camponesa no acampamento Herdeiros da Terra de 1° de Maio.

3 Metodologia

A abordagem da pesquisa possui caráter qualitativo, partiu da revisão bibliográfica para, posteriormente, aprofundar questões subjetivas dos sujeitos por meio de entrevistas e observações in loco. As entrevistas foram realizadas tendo por base um roteiro semiestruturado orientado pela abordagem metodológica do Sistema Local Territorial (SloT). Foram entrevistados dez agricultores agroecológicos dos espaços Herdeiros I, Lambari e Guajuvira. A pesquisa de campo foi realizada nos meses de fevereiro, março e julho de 2017.

Segundo Dematteis (2008, p.37) o SloT se constitui em "[...] uma série de indícios (atitudes, experiências etc.) e de pré condições subjetivas e objetivas que, com a intervenção de estímulos oportunos e com ações de governança, pode render a construção, em certa área geográfica, de um sistema territorial capaz de contribuir autonomamente para o desenvolvimento". O modelo conceitual do Sistema Local Territorial é composto por: (I) a rede local de sujeitos; (II) o milieu local; (III) a relação de interação da rede local com o milieu e com os ecossistemas locais; (IV) a relação interativa da rede local com as redes globais (territorialidade-rede).

4 Resultados e Discussão

O território surge depois de espaço, se constitui como resultado de uma ação conduzida por um ator (RAFFESTIN, 1993). Para Dematteis (2008), ao território estão atreladas relações que se apresentam como (i) territorialidades passivas, caracterizadas pelas relações de hierarquia e controle entre dominador e dominado, geram a exclusão dos sujeitos e dos recursos e (ii) territorialidades ativas, caracterizadas por mudanças e transformações a partir dos interesses e possibilidades dos sujeitos e do próprio meio onde estes estão inseridos. Neste segundo caso, os sujeitos transformam e inovam a realidade local por meio da articulação das mediações simbólicas, da materialidade e do agir social.

Seguindo esse viés teórico, aponta-se a agroecologia como um elemento central para a construção de territorialidades ativas. A agroecologia pode ser considerada uma “orientação cujas contribuições vão mais além de aspectos meramente tecnológicos ou agronômicos da produção […], pois incluem tanto variáveis econômicas, sociais e ambientais, como variáveis culturais, políticas e éticas da sustentabilidade” (CAPORAL, 2008, p. 906).

A agroecologia é incentivada pelos dirigentes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mas sua existência no acampamento deve-se, sobretudo ao interesse e trabalho dos acampados. No acampamento Herdeiros da Terra de 1° de Maio cada espaço possui um grupo de famílias que trabalha com a produção agroecológica em um lote coletivo. A pesquisa se concentrou em três desses espaços: Herdeiros I, Lambari e Guajuvira.

No Herdeiros I a área das plantações é a mesma desde o início da ocupação, assim, o solo já passou por rotação de culturas, estando descompactado. Neste espaço, há um número maior de agricultores que trabalham com a agroecologia em relação aos demais, cerca de 30 famílias e a área possui a certificação orgânica pela Rede Ecovida de Agroecologia. No espaço do Lambari, 12 famílias trabalham com a agroecologia, sendo que seis delas se uniram ao grupo recentemente, a certificação orgânica também é pela Rede Ecovida. No Guajuvira, seis famílias compõem o chamado “grupo dos orgânicos” que ainda não possui a certificação.

Os três lotes coletivos para a produção agroecológica estão rodeados, em sua maior parte, por mata nativa com importantes nascentes de água e possuem terras férteis sem necessidade imediata de adubação. Dos entrevistados, apenas um agricultor possui trator próprio, os demais fazem uso de enxada, plantadeira manual ou contratam serviços e máquinas agrícolas de terceiros. As sementes para o cultivo foram adquiridas por meio de troca (principalmente em eventos sobre agroecologia) ou de plantações passadas. As formações em agroecologia contam com a participação do Centro de Desenvolvimento Sustentável e Educação em Agroecologia (CEAGRO) e da Universidade Federal da Fronteira Sul, campus Laranjeiras do Sul. A comercialização fica sob a responsabilidade de cada sujeito, para aqueles que já possuem a certificação orgânica, as feiras, os eventos ou uma cooperativa de orgânicos próxima ao acampamento são os principais meios para acessar o mercado.

5 Conclusão

O Sistema Local Territorial da área estudada apresenta elementos fundamentais para o fortalecimento das práticas agroecológicas. A rede local de sujeitos ali delineada permite unidade nas ações e reivindicações, facilitando trocas de experiências, conhecimentos, sementes crioulas e serviços; o milieu local do acampamento proporciona as condições ambientais para a produção de feijão, arroz, milho, amendoim, abóbora, adubo verde e mudas frutíferas. A incorporação desses dois pontos resulta na transformação da matriz produtiva que os produtores agroecológicos almejaram. Por outro lado, a relação interativa da rede local com as redes globais enfrenta um caminho árduo de concretização, já que há poucos recursos financeiros destinados pelas instituições apoiadoras e ausência do poder público, resultando em dificuldades com a assessoria técnica, o transporte dos produtos e o acesso ao mercado.


Biografía del autor/a

Karin Cristina Siben Ribas, Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Laranjeiras do Sul

Acadêmica do curso de Licenciatura em Educação o Campo, Ciências Sociais e Humanas, Universidade Fedral da Fronteira Sul Campus Laranjeiras do Sul.

Roberto Antonio Finatto, Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Laranjeiras do Sul
Licenciado em Geografia (UFPel), mestre e doutor em Geografia (UFSC).

Citas

CAPORAL, F. R. Agroecologia: uma nova ciência para apoiar a transição a agriculturas mais sustentáveis. In: FALEIRO, F. G.; FARIAS NETO, A. L (Org.). Savanas: desafios e estratégias para o equilíbrio entre sociedade, agronegócio, e recursos naturais. Brasília: Embrapa Cerrados, 2008. v.1, p. 895-929.

DEMATTEIS, G. Sistema Local territorial (SLOT): um instrumento para representar, ler e transformar o território. In: ALVES, A. F.; CORRIJO, B. R.; CANDIOTTO, L. Z. P. (Org.). Desenvolvimento territorial e agroecologia. São Paulo: Expressão Popular. 2008. p. 33-46.

RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Editora Ática S. A. 1993.

Publicado
04-10-2017