SER-ESTAR-ENTRE-LÍNGUAS-CULTURAS: POLÍTICAS LINGUÍSTICAS E EDUCAÇÃO DE ESTUDANTES INDÍGENAS EM CHAPECÓ/SC

  • Gabriele de Aguiar Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus Chapecó-SC
  • Angela Derlise Stübe Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus Chapecó-SC

Abstract

1 Introdução

Esta pesquisa está inserida em um projeto maior, intitulado “Ser-estar-entre-línguas-culturas: narrativas de estudantes indígenas em Chapecó/SC”, cujo aporte teórico é a Análise de Discurso de orientação Pêcheutiana, para a qual a língua é afetada pelo político, o histórico, o social e o ideológico.  Com base nesse pressuposto, este estudo se propôs analisar políticas linguísticas que afetam a constituição linguística e identitária do sujeito indígena.  Metodologicamente, parte de uma análise interpretativista dos seguintes documentos: Constituição da República Federativa de 1988, Lei de diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e Proposta Curricular de Santa Catarina (PCSC).

2 Objetivo

Analisar representações de língua(s) que emergem em documentos que instauram políticas lingüísticas relativas às línguas indígenas em escolas públicas da região de abrangência da UFFS-Chapecó/SC para, então, discutir conseqüências ao ensino.

3 Metodologia

Para tal fim, buscou-se analisar recortes de três documentos nacionais: 1) a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, a qual possui um conjunto de normas que regem o país e definem seu funcionamento até os dias atuais. Com isso, pretendeu-se perceber na Constituição de 88 como as leis que a compõem projetam as línguas indígenas. 2) Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), documento que define e regulariza a organização da educação brasileira e, 3) Proposta Curricular de Santa Catarina (PCSC), que estabelece as diretrizes orientadoras da educação no estado. Os dois últimos foram selecionados por se tratarem de documentos que regularizam a educação nacional e estadual, pois se entende que a escola, portadora e legitimadora da língua nacional, provoca um processo de imbricamento entre a língua-cultura dita materna (Língua Indígena) e a língua estrangeira ou adicional (Língua Portuguesa) e contribui para um rompimento da língua materna para, então, habitar o lugar do outro.

4 Resultados e Discussão

Nesse tópico, analisar-se-á uma sequência discursiva (SD) da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que trata, especificamente, sobre traços culturais e identificatórios do sujeito indígena e, com isso, elaborar um gesto interpretativo:

 

(SD1) SEÇÃO II – DA CULTURA

Artigo 215 - O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

  1. 1. O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.

 

Nessa SD, interpreta-se que foi necessária uma iniciativa do Estado para desenvolver leis que regularizassem os direitos à preservação da língua e da cultura do sujeito indígena. No entanto, entende-se que isso silencia a voz do indígena, principalmente na marca linguística “O Estado garantirá”[1] em que o outro fala do e pelo indígena. Em outras palavras, é o outro – o Estado – que protege o índio, apontando, portanto, a uma posição discursiva de dominador, o que pode produzir o efeito de silenciar o indígena como sendo o dominado.

Ademais, ao declarar que as manifestações indígenas, bem como as afro-brasileiras, estão formando o “processo civilizatório nacional”, destaca-se a marca linguística “civilizatório” que se materializa nessa interpretação como algo primitivo, não-urbanizado. Guimarães (2003, p. 52) formula que as línguas indígenas, além de serem pouco valorizadas, são consideradas “como línguas de cultura por oposição às línguas civilizadas. [...] Por outro lado, enquanto línguas de cultura são línguas de identidades locais, e não de identificação com a nação, com o povo brasileiro.” Por outro lado, a língua portuguesa aparece, no processo histórico das línguas, como uma língua civilizada.

Assim, toma-se como pressuposto que, em uma relação de dominador (o branco) e dominado (o indígena), haja uma interferência nos traços identificatórios do sujeito indígena, o qual transita em lugar entre-línguas-culturas e que, como dominado, é dito pelo outro.

 

5 Conclusão

Por meio das análises, percebeu-se que há um interesse do governo em instaurar políticas públicas que possam atingir, de forma positiva, às diversidades étnicas, raciais e culturais do país. No entanto, compreende-se que o sistema de leis faz parte dos Aparelhos Ideológicos do Estado (AIE), que funcionam por meio da ideologia (ALTHUSSER, 1985). Entende-se que existe uma dominação (nesse caso, do branco) não pela força, e sim pelo uso da ideologia para manter a classe dominante no poder e condicionar o dominado (o indígena) na condição de submissão.

Em decorrência disto, nota-se que por mais que as leis busquem permitir ao indígena a manifestação cultural da comunidade em que vive e o uso de sua(s) língua(s) materna(s), ainda é a voz do branco que impera sobre a voz do indígena, é o branco que fala do e pelo indígena. Ainda, ao declarar que por meio dessa iniciativa de criar, mediante as leis, um laço intercultural, busca-se compor o processo civilizatório nacional, percebe-se que ainda existe uma rotulação do indígena como sendo o não-civilizado, primitivo e o não-indígena como o civilizado.

Referências

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985. 128 p. Tradução de: Walter Evangelista.

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 35. ed. p. 446. Disponível em: <file:///C:/Users/Acer/Downloads/constituicao_federal_35ed.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2017.

 

GUIMARÃES, Eduardo. Enunciação e política de línguas no Brasil. Revista Letras: Programa de Pós Graduação em Letras - UFSM, Santa Maria, n. 27, p. 47-53, 2003. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/11897/7319>. Acesso em: 01 jul. 2017.

 

Palavras-chave: Língua. Sujeito Indígena. Documentos.

Fonte de Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 


[1] Todas as sequências discursivas estarão em itálico quando forem usadas ao longo do texto.

References

ALTHUSSER, Louis. Aparelhos Ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985. 128 p. Tradução de: Walter Evangelista.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 35. ed. p. 446. Disponível em: . Acesso em: 16 jan. 2017.

GUIMARÃES, Eduardo. Enunciação e política de línguas no Brasil. Revista Letras: Programa de Pós Graduação em Letras - UFSM, Santa Maria, n. 27, p. 47-53, 2003. Disponível em: <https://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/11897/7319>. Acesso em: 01 jul. 2017.

Published
18-09-2017