CONSTITUIÇÃO, FORMULAÇÃO E CIRCULAÇÃO DO CONHECIMENTO LINGUÍSTICO NO SUL DO BRASIL

  • Yasmin Schreiner Heinzmann Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Cerro Largo
  • Caroline Mallmann Schneiders Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Cerro Largo
Palavras-chave: Língua, Imigração, Memória discursiva, Silenciamento.

Resumo

 

1 Introdução

A presente pesquisa busca refletir a respeito do processo de historicização da língua dos imigrantes alemães que vieram e instalaram-se na região das Missões do RS. Para isso, é necessária a compreensão de língua enquanto constituidora do sujeito e do coletivo, localizando-a nesse novo espaço-tempo que a circunscreve, ou seja, a região missioneira na época da colonização, que representará um contexto cultural, social, histórico e ideológico na qual a língua alemã irá historicizar-se e circular.

Para tanto, refletimos, inicialmente, sobre os efeitos produzidos pelo processo de interdição da língua alemã durante o Estado Novo, de Getúlio Vargas, o qual, por meio de uma “Campanha de Nacionalização”, instaurou políticas linguísticas, a fim de unificar a nação através da Língua, no caso a Língua Portuguesa, que era reconhecida como língua nacional, homogênea, tornando-se a língua oficial. Essas políticas irão ter, principalmente, como objetivo silenciar as “outras línguas nacionais”, como, por exemplo, o alemão, que teve sua circulação impedida em território nacional brasileiro, devido a interesses puramente estatais e políticos.

2 Objetivo

Compreender o processo de historicização da língua dos imigrantes alemães nas Missões do RS.

3 Metodologia

Para elucidar o processo histórico e linguístico abordado, realizamos entrevistas, especificamente com sujeitos que nasceram entre os anos de 1920 e 1940, objetivando compreender os efeitos produzidos pelas políticas de interdição da língua alemã, vinculadas ao Estado Novo, de Getúlio Vargas, e a projeção que tiveram na vida dos sujeitos e no percurso dessa língua germânica. A partir das entrevistas, realizamos recortes discursivos, os quais constituem o nosso corpus de análise, cujo critério de seleção são marcas linguísticas que nos permitem compreender os efeitos das políticas de interdição.

Essa pesquisa está ancorada na perspectiva da Análise de Discurso pecheuxtiana, articulando questões que envolvem os estudos enunciativos discursivos, bem como com a História das Ideias Linguísticas, tal como se desenvolve nos dias de hoje.

4 Resultados e Discussão

Ao realizarmos as entrevistas e delimitarmos o nosso corpus, partimos da noção de discurso sob o viés da perspectiva discursiva, o qual é definido como efeitos de sentido entre os interlocutores, tendo em vista a não transparência da língua. Assim, não há discursos homogêneos, nem sentidos únicos, um discurso sempre será ancorado em relação a outros dizeres antecedentes.

Nesse sentido, entende-se que todos nossos discursos se relacionam a outros que nos são anteriores, constituindo-se assim, a memória discursiva. Esta memória, segundo Orlandi, E. e Lagazzi-Rodrigues (2006), são enunciações que se estratificam no eixo vertical de maneira que qualquer formulação feita se dá determinada pelo conjunto de formulações anteriores, já ditas. As autoras pontuam uma importante particularidade da memória discursiva: essas formulações já feitas estão no plano do esquecimento, isto é, são esquecidas, daí a ilusão de sermos a origem de nosso dizer, não tendo controle de como os sentidos se formam em nós, sujeitos, apenas retomamos os já ditos anteriores ao nosso dizer.

Também, o discurso nunca é neutro, mas sempre relacionado a uma ideologia, como afirma Pechêux (1975), o sujeito é sempre interpelado em sujeito pela ideologia, bem como pelo simbólico, resultando assim, em uma forma-sujeito, que é histórica, determinada por fatores sociais, institucionais e pelo Estado. Partindo disso, pode-se afirmar que o sujeito nunca deve ser pensado como a origem do seu dizer, mas retoma outros que lhe são antecedentes.

Tendo em vista essas questões, para analisar as entrevistas, tomamos sempre o sujeito em relação à história e determinado pela ideologia, não nos interessando, portanto, o sujeito empírico, mas sim o sujeito do discurso.  Pelo discurso analisado, entendemos que houve uma repressão na prática discursiva da língua alemã, e isso será determinante para a historicização dessa língua na região das Missões, assim como nos sentidos mobilizados. Para melhor explicitar nossa reflexão, destacamos um dos recortes discursivos analisados.

RD1: “ Eu aprendi a ler tudo em alemão, tive apenas um ano de português (por volta do ano de 1932). Era proibido falar alemão, os soldados proibiam, isso quando eu era criança, quando casei já não acontecia tanto. Queimaram livros e a Bíblia que estava em alemão, as lojas e comércio só falavam este idioma”. (Entrevista X)

No recorte discursivo acima, podemos compreender determinados sentidos por meio de termos como “proibição” e “queimaram”. Sentidos esses que ressoam um determinado contexto sócio-histórico, o qual podemos relacionar ao Estado Novo de Vargas, que, conforme Spessatto (2003, p. 37), foi um período que teve por objetivo alcançar a integração nacional e que, no que se refere aos imigrantes, observa-se a imposição linguística a um povo que mantinha com sua língua laços com seu passado, o qual buscar manter vivo. Percebe-se, pelo e através do discurso, que a censura demarca o que é proibido, o que deve e não ser dito, perpassando as crenças, religião e também a própria língua do imigrante alemão.

5 Conclusão

Compreendemos que é necessário refletir a respeito do processo de historicização dos imigrantes alemães aqui em nossa região, ou seja, nas Missões do RS. Com nossa pesquisa explicitamos a maneira como as políticas linguísticas, que determinaram e afetaram o contexto sócio-histórico e ideológico brasileiro, ainda ressoam e produzem sentidos na prática discursiva dos sujeitos imigrantes alemães, determinando o modo como a língua alemã se historicizou nas Missões. Assim, compreendemos os efeitos de sentido produzidos por um momento histórico marcado por políticas de silenciamento sobre as línguas de imigração. 

Biografia do Autor

Yasmin Schreiner Heinzmann, Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Cerro Largo
Acadêmica do curso de Letras Português e Espanhol- Licenciatura da Universidade Federal da Fronteira Sul- Campus Cerro Largo. Bolsista do projeto de pesquisa " Constituição, formulação e circulação do conhecimento linguístico no sul do Brasil" (Bolsista FAPERGS/Edital Nº 315/UFFS/2016)

Referências

ORLANDI, E.; LAGAZZI-RODRIGUES, S. (Orgs.). Discurso e textualidade. Campinas: Pontes, 2006.

PÊCHEUX. M. (1975). Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução de Eni P. Orlandi [et al.]. Campinas: Editora da UNICAMP, 1995. 317 p.

SPESSATTO, M.B. Linguagem e Colonização. Chapecó: Argos, 2003.

Publicado
18-09-2017