CONCEBIDO E VIVIDO: CAMINHOS PARA INOVAÇÃO METODOLÓGICA EM ARQUITETURA E URBANISMO

  • Fernanda Caroline Guasselli Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Erechim
  • Fábio Francisco Feltrin de Souza Universidade Federal da Fronteira Sul Campus Erechim
Palavras-chave: Método. Linguagem. Epistemologia. Dialética

Resumo

1. Introdução

O processo projetual é uma das temáticas mais debatidas e obscuras no âmbito da arquitetura e urbanismo, refletindo principalmente no ensino da mesma. É fato que o projeto possui uma grande complexidade epistemológica, exigindo do arquiteto conhecimentos técnicos e artísticos de diversos níveis, colocando a arquitetura em uma posição indefinida entre ciência e arte. Kowaltowski.et.al (2006)

Nesse sentido, a primeira problemática abordada neste trabalho se refere ao método e processo cognitivo em arquitetura, a fim de compreender seus paradigmas epistemológicos. Identificou-se que o movimento moderno foi o motivador das transformações metodológicas que fundamentaram o caráter funcionalista e racionalista do arquiteto e urbanista, principalmente em decorrência das influências positivistas, concluindo que a produção de conhecimento deste movimento ainda influência e é preponderante no processo cognitivo em arquitetura. De acordo com Rheingantz (2005) pode-se dividir o método de raciocínio dos arquitetos em dois momentos: caixa-preta e caixa de vidro, sendo respectivamente o determinismo expressivo e o determinismo operacional. Entretanto, estes métodos mostram-se obscuros e contraditórios, pois o determinismo expressivo denota o saber intuitivo que não é passível de codificação e sistematização, ou seja, a intuição artística do indivíduo, enquanto o determinismo operacional nega qualquer tipo de conhecimento arquitetônico intuitivo. Portanto, lança-se a primeira hipótese de que a problemática metodológica afeta diretamente o ensino da arquitetura e urbanismo, pois enquanto houver o paradigma da intuição artística o fazer arquitetônico não pode ser transmitido com eficiência, ou seja, não pode ser ensinado somente treinado e aperfeiçoado.

A segunda problemática se refere ao objeto de estudo, o espaço. Percebe-se que ao longo da história da arquitetura o espaço não foi tratado como centralidade no debate projetual, pois as definições foram reduzidas a binômios e tríades (forma, função, estrutura) que são incapazes de capturar a complexidade da prática espacial. Nesse sentido, tais arbitrariedades conceituais tornaram o espaço do arquiteto abstrato e analítico em contraposição ao espaço social da realidade concreta, culminando em uma prática arquitetônica não consonantes com as reais demandas da sociedade (Netto, 1979). Em estudos recentes, teóricos apontam para a substituição do espaço pelo conceito de lugar, desta forma, para os arquitetos o espaço é um dado a priori, pois é através do lugar que o espaço é usado e apropriado. De acordo com Limonad (2006) esta concepção é perigosa, pois vê o espaço como atemporal, vazio e neutro. Portanto, os arquitetos projetam para um usuário sem espaço e tempo, para um ser irreal e abstrato.



2. Objetivo

A presente pesquisa teve como objetivo geral identificar caminhos para inovação metodológica em arquitetura e urbanismo tendo como premissa a dialética, em decorrência dos estudos teóricos que apontaram para a necessidade da reformulação das bases epistemológicas que orientam a área em questão. Os métodos de raciocínio e processos cognitivos que partem da dialética se mostram eficientes para compreensão do espaço (objeto de estudo do arquiteto) e potencialmente favoráveis para o ensino da arquitetura, uma vez que compreende a realidade a partir da totalidade em contraposição a fragmentação, historicidade em contraposição ao espaço analítico atemporal, e praxidade em contraposição a abstração da prática arquitetônica. Por fim, dentre os objetivos específicos, houve o estudo de métodos que primassem pela práxis a fim de aproximar os arquitetos e urbanistas do espaço vivido em contraposição ao espaço abstrato e analítico do projeto, na tentativa de inverter a ordem do processo projetual, do vivido para o concebido.

 

3. Metodologia

3.1 Pesquisa bibliográfica: caracteriza-se pelo primeiro módulo da pesquisa, possuindo grande importância, pois objetivou construir um arcabouço teórico referente ao método e processo cognitivo em arquitetura e urbanismo. Devido a complexidade do tema dividiu-se a pesquisa bibliográfica em dois momentos: método e linguagem.

 

3.2 Pesquisa-ação: proporcionou a aproximação com o espaço vivido através da práxis, elemento da dialética. Para realizar esta interface elencou-se o bairro Progresso como estudo de caso, em virtude do histórico de sua ocupação e expansão urbana que remonta a lógica de exclusão socioespacial no município de Erechim. Após diversas análises, percebeu-se que os mapas oficiais não caracterizavam este território em sua real morfologia, principalmente em decorrência dos assentamentos informais ali existentes. Portanto, identificou-se as potencialidades da cartografia social como instrumento de aproximação entre o arquiteto e a população local com o intuito de compreender e grafar o espaço vivido e percebido. Para tanto, esta etapa da pesquisa teve como objetivo sistematizar um método de aplicação da cartografia social no contexto do bairro Progresso. Estes resultados metodológicos foram utilizados pelo Coletivo Varanda: ateliê colaborativo de Arquitetura e Urbanismo, que aplicou junto a população local algumas oficinas sobre o tema, mostrando a eficiência do método.

 

4. Resultados

A presente pesquisa, concluída em 2016, produziu dois resultados principais: 1) compilação de um arcabouço teórico referente a método e linguagem em arquitetura e urbanismo, que culminou na sistematização de um modelo metodológico tendo como base epistemológica a dialética em contraposição ao positivismo; 2) sistematização e análises de métodos que realizassem a interface entre o pesquisador e a população local, a fim de compreender o espaço vivido e percebido. Nesse sentido, elencou-se as potencialidades da aproximação entre arquitetura e geografia através da cartografia social.

 

5. Conclusão

Os métodos de raciocino e processo cognitivo em arquitetura e urbanismo não são neutros, pois derivam dos paradigmas epistemológicos positivistas fomentados pelo movimento moderno. Deste modo, levanta-se a hipótese de que as problemáticas elencadas quanto ao método projetual e objeto de estudo do arquiteto possui um causa mais aprofundada, a própria base epistemológica vigente. Acredita-se que as transformações necessárias no processo projetual e no ensino da arquitetura só serão possíveis a partir da mudança destas bases, pois como afirma Diógenes (2005) todo problema metodológico é um problema epistemológico. Portanto, o método dialético mostra-se como caminho para a esta transformação, pois mostra-se eficiente na compreensão do espaço, analisando-o a partir da totalidade, historicidade, complexidade, dialeticidade, praxidade e cientificidade. Além disso, a tentativa de aproximação com o espaço vivido e percebido (nesta pesquisa abordada através da cartografia social) mostra-se de extrema importância para romper com a lógica de espaço geométrico e analítico dos arquitetos e urbanistas, pois segundo Lefebvre (1978) é notório as dificuldades metodológicas e teóricas para compreender a totalidade urbana, porém, este é o único processo aceitável para evitar reduções a conjuntos e elementos.

Referências

DIÓGENES, E. Metodologia e epistemologia na produção científica: Génese e resultado. 2 ed. Maceió: EDUFAL, 2005

GHIZZI, Eluiza. B. Arquitetura em diagramas: uma análise da presença do raciocinio dedutivo-diagramático no processo projetivo em arquitetura. Cognitio-Estudos, São Paulo, volume 3, número 2, pag. 109-124, TEXTO 12/3.2, julho/dezembro, 2006

KOWALTOWSKI, D. C. C. K. et al. Reflexão sobre metodologias de projeto arquitetônico. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 6, n. 2, p. 07-19, abr./jun. 2006. ISSN 1415-8876. 2006, Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído.

LEFEBVRE, Henri. De lo rural a lo urbano. Barcelona: Península, 1978. 268p

LIMONAD, Ester. Espaço e tempo na arquitetura e urbanismo: algumas considerações de método. VII Seminário de História da Cidade e do Urbanismo, 2006

NETTO, Teixeira Coelho. A construção do sentido da arquitetura. São Paulo: perspectiva, 1991

RHEINGANTZ, Paulo. A. Por uma arquitetura da autonomia: bases para renovar a pedagogia do ateliê de projeto de arquitetura.

ARQTEXTO/Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Ano IV, n.1 (2005) – Porto Alegre: Departamento de Arquitetura: PROPAR 2005, p. 42-67.

Publicado
22-09-2016