A EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE BIOLOGIA: uma perspectiva histórica a partir dos livros publicados no Brasil.

  • Tauane Farias Telles Universidade Federal da Fronteira Sul - Cerro Largo
  • Leandro Ebling Flores Universidade Federal da Fronteira Sul - Cerro Largo
  • Érica do Espirito Santo Hermel Universidade Federal da Fronteira Sul- Cerro Largo
Palavras-chave: Ensino de Biologia, Processo Ensino-Aprendizagem, Práticas Pedagógicas

Resumo

1 Introdução

O processo de ensino-aprendizagem deve problematizar e desafiar os alunos, no intuito de que possam aprender por meio da investigação e da  reflexão. Neste contexto, as aulas de Ciências e de Biologia tem grande contribuição, pois é principalmente nessas disciplinas que ocorrem a grande maioria das aulas experimentais, às quais por vezes são consideradas as únicas formas de assegurar a aprendizagem de certos conceitos científicos por parte dos alunos (ZÔMPERO; PASSOS; CARVALHO, 2012).  Entretanto, nem sempre as aulas experimentais são eficientes nesse processo, pois permanece implícita, tanto em professores como em alunos, a ideia de que as aulas experimentais só podem ser usadas para confirmar verdades tidas como absolutas e não na construção de novos conhecimentos originados a partir do processo de investigação, descoberta e reflexão.  Outro fator que deve ser levado em conta é que, além das concepções pré-estabelecidas, os professores muitas vezes fazem uso apenas do livro didático em suas aulas, não buscando novas metodologias de ensino, tornando o livro a única fonte de informação na sala de aula, assim como a única fonte de consulta dos alunos. Devido a importância da experimentação na assimilação de conceitos científicos em sala da aula, torna-se importante investigar as concepções que se apresentam nos livros didáticos, visto que esses são os principais norteadores das aulas de muitos professores.

2 Objetivo

Compreender como as concepções de Ciência e de experimentação permeiam o currículo de Biologia, sob uma perspectiva histórica, analisando os livros didáticos de Biologia publicados no Brasil desde a década de 1920, quando ocorreu a substituição dos livros didáticos franceses, anteriormente utilizados em sala de aula, por livros brasileiros nas escolas.

3 Metodologia

Foi realizada uma pesquisa qualitativa, do tipo documental, onde se buscaram as seguintes concepções de experimentação (MORAES apud ROSITO, 2008): demonstrativa, empiricista-indutivista, dedutivista-racionalista e construtivista. A análise foi desenvolvida sob uma perspectiva histórica, na qual foram utilizados trinta livros didáticos de Biologia publicados no Brasil desde 1920 (Quadro 1). Os exemplares didáticos foram agrupados em períodos, respeitando seus respectivos anos de publicação, sendo alocados dessa forma em cinco grupos: a) 1920-1949 b) 1950-1959, c) 1960-1969, d) 1970-1979, e e) 1980-1996. Ainda, a fim de melhorar a análise dos experimentos, eles foram classificamos segundo o enfoque pedagógico (cognitiva, procedimental, motivacional) e segundo o enfoque metodológico (demonstração, verificação, descoberta) sugerido por Goldbach et al., (2009).

4 Resultados e Discussão

Foram encontrados 64 experimentos nos livros analisados. O período no qual foram encontrados mais experimentos (20) foi a década de 1950. Os livros que apresentaram menos propostas de experimentos (5) em suas páginas foram àqueles publicados na década de 1960. Doze livros não apresentaram nenhuma proposta de experimentos, sendo a maioria do período 1980-1996, quando seria esperado exemplares mais atualizados. Ao analisar os livros didáticos observamos que as categorias predominantes nos enfoques pedagógico e metodológico foram procedimentais e de verificação. Ao analisarmos o enfoque pedagógico, verificamos que do total de 64 experimentos, 62 eram de caráter procedimental e apenas 2 foram classificados como cognitivos. Experimentos de cunho motivacional não foram encontrados em nenhum dos exemplares analisados. Já em relação ao enfoque metodológico os 64 experimentos foram classificados como experimentos de verificação, que são aqueles em que o objetivo é verificar fatos e princípios estudados, com a participação do aluno e a mediação do professor. Nos experimentos procedimentais os alunos seguem roteiros e aprendem a manipular equipamentos, estimulando o desenvolvimento de habilidades, mas sem a exigência ou permissão de intervenções por parte deles. No entanto, é preciso considerar que essas habilidades nem sempre farão parte ou serão necessárias no cotidiano do aluno (HODSON, 1994). Experimentos de verificação levam à confirmação de fatos, de teorias, necessitando da mediação do professor em sala de aula. “A relação teoria-prática é usualmente vista e tratada nas salas de aula como uma via de mão única, em que a prática comprova a teoria, ou vice-versa” (SILVA; ZANON, 2000, p. 120). Logo, a maioria dos experimentos remete a uma visão tradicional de ensino, promovendo a observação, a repetição de procedimentos e a comprovação de teorias, ou seja, contém uma visão simplista. Esses tipos de atividades experimentais não promovem a discussão nem a reflexão por parte dos alunos, dificultando a elaboração adequada do conhecimento por eles. A experimentação não serve apenas para exemplificar ou comprovar a teoria, é outra forma de abordagem para compreender um mesmo tema. Teoria e prática devem se integrar, a fim de que seja possível a ocorrência de uma aprendizagem significativa.

5 Conclusão

Com esses resultados, é possível perceber a predominância da concepção Empírica- Indutivista nos livros, que valoriza o papel do método científico, promovendo verdades absolutas, definitivas, desconsiderando os conhecimentos prévios dos alunos. E, além disso, tais resultados rementem a uma reflexão acerca do papel da experimentação no ensino de Biologia, que tem se ampliando ao longo do tempo e, ao mesmo tempo, remetem a uma reflexão do papel do professor, no que diz respeito a sua prática diária e a reflexão desta, no sentido de significar a aprendizagem dos alunos.

Quadro 1: Livros analisados nesta pesquisa indicados por período e referência.

Período

Livro

Referência

1920- 1949

L1

LEITÃO. C. Melo de. História Natural: Biologia. 2ª Série. v.4. Companhia Editora Nacional. São Paulo, 1935.

L2

MENEZES. Luiz. História Natural. 3ª Série. ed. Saraiva e Cia. São Paulo, 1938.

L3

MENEZES. Luiz. História Natural. 4ª Série. ed. Saraiva e Cia. São Paulo, 1938.

L4

F.T.D. Colleação. Elementos de História Natural: Curso Médio. ed. 3. São Paulo, 1923.

L5

RAMBO, Balduíno. Elementos da história natural: 3º ano seriado. ed. Livraria do Globo. Porto Alegre, 1937

1950-1959

L6

OLIVEIRA, V. História Natural: 2ª série, colegial. Editora do Brasil S/A. ed. 2. São Paulo, 1950.

L7

DECOURT, P. História Natural: 2ª série colegial. ed. 2. Editora Melhoramentos. São Paulo, 1950.

L8

BARROS, A. Curso de Biologia: Botânica Geral. Companhia Editora Nacional. São Paulo, 1950.

L9

JÚNIOR, A. Elementos de Anatomia e Fisiologia Humana. Cia Editora Nacional. ed. 24. São Paulo, 1958

L10

BEÇAK, M. L. BEÇAK, W. Biologia Geral e Citologia. Editora Nobel S/A. São Paulo, 1959.

1960-1969

L11

JÚNIOR, A. A. ANTUNES, J. Biologia Geral. Cia Editora Nacional. São Paulo, 1966.

L12

BEÇAK, M. L. BEÇAK, W. Biologia. Edicopias. São Paulo, 1960.

L13

JÚNIOR, A. ANTUNES, J. História Natural: 2º ano. São Paulo. Cia Editora Nacional, 1960.

L14

JÚNIOR, A. ANTUNES, J. História Natural: 2º ano. São Paulo. Cia Editora Nacional, 1960.

L15

BEÇAK, M. L. BEÇAK, W. Biologia: Divisão Celular. Editora Nobel S/A. São Paulo, 1967.

1970-1979

L16

FONSECA, A. Biologia. Editora Ática S/A. São Paulo, 1976.

L17

BARROS, A. Zoologia. Livraria Nobel S/A.São Paulo, 1971.

L18

BARROS, A. Biologia Educacional e Higiene. Editora do Brasil S/A. 14.ed. São Paulo, 1975.

L19

DIAS, P. D. João, L. C. Biologia. Editora Moderna. São Paulo, 1977.

L20

FONSECA, A. Biologia. Editora Ática S/A. São Paulo, 1979.

1980-1996

L21

CIPULLO, R. el al. Biologia: 2º grau. Editora FTD S/A. São Paulo, 1986.

L22

FONSECA, A. Biologia: 2º grau e vestibulares. 22 ed. Editora Ática. São Paulo, 1982.

L23

MARCONDES, A. C. Aulas de Biologia: Citologia e Embriologia. Editora Atual. São Paulo, 1987.

L24

SOARES, J. L. Biologia: Seres Vivos. Editora Scipione. São Paulo, 1987.

L25

JÚNIOR, C.S. SASSON, S. Biologia: citologia e histologia. 5 ed. Editora Mercado. São Paulo, 1988.

L29

LINHARES, Sérgio. GEWANSDSZNAJDER, Fernando. Biologia. V. 1. Editora Ática. São Paulo, 1992.

L30

PAULINA, Roberto Wilson. Biologia atual. V.2. Editora Ática. São Paulo, 1991.

1997-2004

L26

LINHARES, Sérgio. GEWANSDSZNAJDER, Fernando. Biologia Hoje. V.3. Editora Ática. São Paulo, 1997.

L27

JÚNIOR, da Silva Cezar. SASSON, Sezar. Biologia. V.2 Ed.4. Editora Saraiva. São Paulo, 1997.

L28

SOARES, José Luíz. Fundamentos de Biologia. V.2. Editora Scipione. São Paulo, 1998.

 

Palavras-chave: Ensino de Biologia; Processo Ensino-Aprendizagem; Práticas Pedagógicas.

Fonte de Financiamento

PROBIC-FAPERGS

 

Referências

GOLDBACH, T.; PAPOULA, N. R. P.; SARDINHA, R. F.; DYSARZ, F. P.; CAPILÉ, B. Atividades práticas em livros didáticos atuais de biologia: investigações e reflexões. Revista Perspectivas da Ciência e Tecnologia, v.1, n.1, p. 63-74, 2009.

HODSON, D. Hacia un enfoque más crítico del trabajo de laboratório. Enseñanza de Las Ciencias, Barcelona, v. 12, n. 3, p. 299-313, 1994.

ROSITO, B. A. O ensino de ciências e a experimentação. In: MORAES, R. (Org.). Construtivismo e ensino de ciências: reflexões epistemológicas e metodológicas. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. p. 195-208.

SILVA, L. H. A.; ZANON, L. B. A experimentação no ensino de ciências. In: SCHNETZLER, R. P.; ARAGÃO, R. M. R. (Org.) Ensino de Ciências: Fundamentos e Abordagens. São Paulo, UNIMEP/CAPES, 2000. p. 120-153.

ZÔMPERO, A, F.; PASSOS, A, Q; CARVALHO, L, M. A docência e as atividades de experimentação no ensino de ciências nas séries iniciais do ensino fundamental. Revista Experiências no Ensino de Ciências, v. 1, n. 7, p.43-54, 2012.

 

Dados adicionais

Número do Processo (SGPD) – Bolsista FAPERGS – 23205.001964/2015-69

 

Biografia do Autor

Tauane Farias Telles, Universidade Federal da Fronteira Sul - Cerro Largo

 

Referências

GOLDBACH, T.; PAPOULA, N. R. P.; SARDINHA, R. F.; DYSARZ, F. P.; CAPILÉ, B. Atividades práticas em livros didáticos atuais de biologia: investigações e reflexões. Revista Perspectivas da Ciência e Tecnologia, v.1, n.1, p. 63-74, 2009.

HODSON, D. Hacia un enfoque más crítico del trabajo de laboratório. Enseñanza de Las Ciencias, Barcelona, v. 12, n. 3, p. 299-313, 1994.

ROSITO, B. A. O ensino de ciências e a experimentação. In: MORAES, R. (Org.). Construtivismo e ensino de ciências: reflexões epistemológicas e metodológicas. 3. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. p. 195-208.

SILVA, L. H. A.; ZANON, L. B. A experimentação no ensino de ciências. In: SCHNETZLER, R. P.; ARAGÃO, R. M. R. (Org.) Ensino de Ciências: Fundamentos e Abordagens. São Paulo, UNIMEP/CAPES, 2000. p. 120-153.

ZÔMPERO, A, F.; PASSOS, A, Q; CARVALHO, L, M. A docência e as atividades de experimentação no ensino de ciências nas séries iniciais do ensino fundamental. Revista Experiências no Ensino de Ciências, v. 1, n. 7, p.43-54, 2012.

Publicado
28-09-2016