A CÉLULA NO ENSINO DE BIOLOGIA: UMA ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS PUBLICADOS NO BRASIL (1923-2004)
Resumo
1 Introdução
O Livro Didático (LD), ao longo da história, configurou-se como uma ferramenta de ensino com a função de propiciar à sociedade em escolarização os diversos saberes que perpassam a época em questão, ou conhecimentos construídos historicamente. O modo como apresentam os conhecimentos por meio do texto e de suas imagens influencia diretamente a aprendizagem por meio da leitura, imaginação e reflexão. Os LDs antigos são documentos que expressam a história da Biologia Celular no Ensino de Biologia. Pesquisar a célula descrita e ilustrada em LDs históricos é necessário para produzir um panorama de como a célula foi apresentada no contexto escolar ao longo do tempo, evidenciando os paradigmas e as transformações dos princípios celulares.
2 Objetivo
Como o conteúdo e as ilustrações presentes nos livros didáticos parecem ter um importante papel na construção de imagens mentais e na significação conceitual e, desse modo, nos processos de modelização e compreensão das células, agindo por vezes como obstáculo epistemológico, e o conceito de célula, como uma unidade estrutural e funcional do organismo, parece não estar bem sedimentado ao final da Educação Básica, o objetivo desse trabalho foi analisar, sob uma perspectiva histórica, o conteúdo e as imagens sobre célula presentes nos livros didáticos de Biologia publicados no Brasil no século XX.
3 Metodologia
No presente estudo, foi realizada uma pesquisa qualitativa, do tipo documental (LUDKE; ANDRÉ, 2001), onde foram analisados o conteúdo e as imagens de Biologia Celular em 30 LDs de Biologia publicados entre 1923 e 2004.
Para a análise do conteúdo teórico foram utilizados os parâmetros adequação à série, clareza do texto, nível de atualização do texto e grau de coerência entre as informações apresentadas. Também foram analisadas as atividades propostas e os recursos adicionais ou complementares (VASCONCELOS; SOUTO, 2003).
As imagens celulares foram categorizadas quanto ao grau de iconografia (fotografia, desenho figurativo, desenho esquemático, esquema, tabela, gráfico), funcionalidade (inoperante, informativa, reflexiva), relação com o texto principal (conotativa, denotativa, sinóptica) e etiquetas verbais (nominativa, relacional, sem texto)(PERALES; JIMENEZ, 2002).
4 Resultados e Discussão
Quanto ao conteúdo teórico, os conhecimentos conceituais e didáticos sobre a célula nos LDs evoluíram de forma gradativa e significativa até os dias atuais. Por exemplo, L2 (1923, p. 29, grifos nossos) afirmava que “[...] as objectivas dos microscópios modernos tem feito ver nucleos em grande numero de bactérias [...]”. Nos LDs mais recentes essa informação já está corrigida, pois as bactérias não possuem envoltório nuclear, sendo esta uma característica de células eucarióticas.
Mas existem autores de LDs que permanecem estagnados ao longo do tempo em relação aos conceitos de Biologia Celular utilizados. Por exemplo, L9 (1959) e L19 (1970) foram editorados pelo mesmo autor, verificando-se que os conceitos da edição mais recente pouco se alteraram em relação à edição mais antiga. Ainda, dos 30 LDs analisados apenas um deles (L7) apresentou a célula de maneira integrada e funcional. Isso também se estende ao nível superior, cujas disciplinas de Biologia Celular remetem a uma fragmentação do conteúdo sobre célula (HERMEL, 2015).
Os recursos complementares estão presentes em 12 LDs, sendo texto complementar (L7, L8, L20, L27, L28, L29, L30), vocabulário (L13), guia de experimentos (L13, L21, L22, L28), atividade complementar (L17, L28 ) e resumo (L20, L26). As atividades propostas pelos LDs analisados foram quase que na totalidade questionários (L5, L13, L16, L18, L21, L22, L23, L25, L25, L26, L27, L28, L29, L30). Apenas um livro (L9) apresentou atividade prática como atividade proposta. Segundo Vasconcelos e Souto (2003, p. 94):
Uma leitura atenta da maioria dos livros de Ciências disponíveis no mercado brasileiro [...] revela uma disposição linear de informações e uma fragmentação do conhecimento que limitam a perspectiva interdisciplinar. A abordagem tradicional orienta a seleção e a distribuição dos conteúdos, gerando atividades fundamentadas na memorização, com raras possibilidades de contextualização.
Na presente pesquisa foram analisadas 1.106 imagens de células. Os resultados revelam que o gênero iconográfico mais utilizado foi a ilustração do tipo desenho figurativo (60,2%) e o menos utilizado foram os gráficos e tabelas (6%). Quanto a funcionalidade, 72,3% eram informativas, 27,3% reflexivas e 0,4% inoperantes. Quanto a relação com o texto principal, 64,1% eram denotativas, 28,1% sinópticas e 7,8% conotativas. Quanto às etiquetas verbais, 25,6% não tinham, 52,9% eram nominativas e 21,5% relacionais. Dutra, Flores e Hermel (2015) também encontraram uma predominância de imagens informativas, denotativas e nominativas analisando imagens de células em LDs de Ciências no mesmo período.
5 Conclusão
Conhecer o contexto histórico da Biologia Celular em LDs é fundamental para compreender de que modo os saberes didáticos e pedagógicos, aliados aos conhecimentos científicos, continuam em constante transformação. Desde 1923 houve um progresso na descrição e ilustração do conteúdo sobre células em LDs. No entanto, muitos livros ainda apresentam um estereótipo de célula fragmentado, estática funcionalmente e com recursos e atividades que priorizam a memorização. Logo, os recursos didáticos e a prática docente devem ser continuamente atualizados, questionados e refletidos, buscando gerar conhecimentos aprimorados e significativos para o ensino de Biologia Celular.
Quadro 1. Livros Didáticos analisados e publicados no Brasil entre 1923 e 2004.
Período
Livro
Referência
1923-1949
L1
PEREIRA, Dr. L. R. Botânica. 4.ed. Rio de Janeiro: Officinas Graphicas Alba, 1931. 448 p.
L2
PEREIRA, Dr. L .R. Zoologia. 1.ed. Rio de Janeiro: [sn], 1923. 753 p.
L3
POTSCH. V. Zoologia. Rio de Janeiro: [sn] , 1936.
L4
CALVACANTI, A. G. L; POTSCH, C. História Natural: Biologia Geral e Botânica. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1946. 368 p.
L5
PAULI STI; CENSOR, Can. Dor. MARTINS LADEIRA. Elementos de História Natural. 3.ed. Rio de Janeiro: Livraria Paulo de Azevedo e Cª, 1923. 326 p.
1950-1959
L6
BEÇAK, M. L; BEÇAK, W. Biologia: Primeiro Volume. 1 ed. São Paulo: Supertipo LTDA, 1959. 113 p.
L7
DUARTE, J. C. Ciências Naturais: primeiro ano normal-segundo e terceiro anos colegial. 3 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1958. 415 p.
L8
BARROS, A. Curso de Biologia: Biologia geral , noções de higiene e zoologia. 5 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1956. 524 p.
L9
BARROS, A. Curso de Biologia: Botânica geral. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959. 317 p.
L10
DÉCOURT, P. História Natural: Botânica. 3 ed. São Paulo: Edições melhoramentos, 1953. 277 p.
1960-1969
L11
ANTUNES JÚNIOR, Antônio; ANTUNES, José. Biologia: Botânica, Zoologia e Biologia Geral - para o ciclo colegial. São Paulo: Companhia editora nacional, 1964. 461 p.
L12
OLIVEIRA, V; LEITE, J. M. Biologia. 3. ed. São Paulo: Editora do Brasil S/A, 1965. 251 p.
L13
BOLSANELLO, A; FILHO, J. D. van de B; CONTE, F; FÉLIX,R. Biologia. São Paulo: Editora F.T.D. S/A, 1967. 581 p.
L14
ANTUNES, J. A; ANTUNES, J. Compêndio de História Natural: Segundo ano do colegial - Botânica, mineralogia e geologia. 7. ed. São Paulo: Companhia editora nacional, 1960. 251 p.
L15
ANTUNES, J. A; ANTUNES, J. Compendio de História Natural: Terceiro ano do colegial - Zoologia, Biologia Geral e Higiene. 6. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1960. 348 p.
1970-1979
L16
DUARTE, J. C. O corpo Humano. 8. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1971. 214 p.
L17
VERSANI, M .Z. R. Os seres vivos: Para o curso Ginasial. Belo Horizonte: Editora Educação e Cultura Ltda, 1973. 103 p.
L18
PEDERSOLI, J. L. Biologia I. 7. ed. Belo Horizonte: Livraria Lê Editora Ltda, 1976. 156 p.
L19
BARROS, A. Botânica. 15 ed. São Paulo: Livraria Nobel S.A, 1970. 281 p.
L20
PESSOA, O. F. Biologia na escola secundária. 4. ed. [S.l]: Companhia Editora Nacional, 1970. 370 p.
1980-1996
L21
FONSECA, A. Biologia: Segundo grau e vestibulares. 22. ed. São Paulo: Editora Ática, 1982. 415 p.
L22
CIPULLO, R. Biologia. São Paulo: FTD, 1986. 132 p.
L23
MARCONDES, A. C; LAMMOGLIA, D. A. Aulas de Biologia: Citologia e Embriologia. São Paulo: Atual, 1981. 269 p.
L24
GOWDAK, D; MATTOS, N. S. Biologia. São Paulo: FTD, 1991. 487 p.
L25
SILVA JUNIOR, C; SASSON, S. Biologia 1: Citologia – histologia. 4. ed. São Paulo: Atual, 1984. 276 p.
1997-2004
L26
SOARES, J. L. Fundamentos de Biologia: a célula, os tecidos, embriologia. São Paulo: Scipione, 1998. 340 p.
L27
PAULINO, W. R. Biologia Atual: Citologia e Histologia. São Paulo: Ática, 2001. 383 p.
L28
CHEIDA, L. E. Biologia Integrada. São Paulo: FTD, 2002. 222 p.
L29
MACHADO, S. Biologia: para o ensino médio. São Paulo: Scipione, 2003. 536 p.
L30
LOPES, S. Bio. São Paulo: Saraiva, 2004. 606 p.
Referências
DUTRA, P.; FLORES, L. E.; HERMEL, E. E. S. A célula no ensino de Ciências: uma perspectiva histórica a partir dos livros didáticos publicados no Brasil. In: Encontro Regional Sul de Ensino de Biologia, 7., 2015, Criciúma. Anais ... Criciúma: UNESC, 2015. v. 1. p. 15-28.
HERMEL, E. E. S. O ensino de biologia celular na formação inicial de professores de Ciências e de Biologia. In: FARIAS, I. M. S. et al. (Orgs.). Didática e prática de ensino na relação com a formação de professores. v. 2, 1 ed. Fortaleza: EdUECE, 2015. p. 4502-4507. (Coleção Práticas Educativas).
LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: Epu, 2001.
PERALES, F. J.; JIMÉNEZ, J. D. Las ilustraciones en la enseñanza-aprendizaje de las ciências. Análisis de libros de texto. Enseñanza de las Ciências, v. 20, n. 3, p. 369-386, 2002.
VASCONCELOS, S. D; SOUTO, E. O livro didático de Ciências no Ensino Fundamental- Proposta de critérios para análise do conteúdo zoológico. Ciência e Educação, Bauru, v. 9, n. 1, p. 93-104, 2003.
Submeto o trabalho apresentado como texto original à Comissão Científica da XIII JIC, o qual apresenta os resultados de subprojeto de pesquisa, e concordo que os direitos autorais a ele referentes se tornem propriedade do Anais da XIII JIC da UFFS.
Observação: Caso o trabalho possua caráter sigiloso, o apresentador deve informar à Comissão Organizadora através do e-email jic.dpe@uffs.edu.br nos prazos indicados no Regulamento (www.uffs.edu.br/jicsimpos).