FATORES ASSOCIADOS À ADEQUAÇÃO DO GANHO DE PESO GESTACIONAL: UMA ANÁLISE SEGUNDO AS CURVAS BRASILEIRAS EM MULHERES ASSISTIDAS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Palavras-chave:
Atenção Primária à Saúde, Saúde materno-infantil, Índice de Massa Corporal; , cuidado pré-natal, ganho de pesoResumo
1 Introdução
A gestação é um período de intensas adaptações fisiológicas e morfológicas, sendo o ganho de peso gestacional (GPG) adequado fundamental para o desenvolvimento saudável da gravidez (Goldstein et al., 2018). A adequada evolução ponderal está associada à redução do risco de desfechos adversos como restrição do crescimento intrauterino, prematuridade, baixo peso ao nascer ou macrossomia fetal (Rasmussen; Yaktine, 2009; Goldstein et al., 2018). Por ser um fator de risco potencialmente modificável, o monitoramento do GPG através de métricas adequadas é essencial para a prevenção de complicações.
As recomendações sobre GPG são constantemente atualizadas por organismos nacionais e internacionais. Diretrizes clássicas, como as do Institute of Medicine (IOM) dos Estados Unidos, orientam limites adequados conforme o índice de massa corporal (IMC) pré-gestacional (Rasmussen; Yaktine, 2009) e são frequentemente utilizadas em diferentes populações. Entretanto, recentemente foram desenvolvidas curvas brasileiras de acompanhamento de GPG, baseadas em fatores genéticos, ambientais e culturais da população brasileira (Surita et al., 2023) Essas curvas recomendam limites de ganho ponderal total para gestantes adultas, em gestações de baixo risco e com feto único (Surita et al., 2023).
Diversos fatores sociodemográficos, comportamentais e clínicos têm sido associados ao padrão de ganho de peso durante a gestação. Considerando a relevância dessa temática para a saúde materno-infantil e a escassez de estudos que utilizem curvas de referência brasileiras no contexto da Atenção Primária à Saúde, as evidências produzidas poderão fundamentar estratégias de intervenção direcionadas ao monitoramento do ganho ponderal, um procedimento de baixo custo e de elevada aplicabilidade na qualificação da assistência pré-natal.
2 Objetivo
Estimar a prevalência do ganho ponderal adequado no período gestacional, assim como identificar os fatores sociodemográficos, comportamentais e clínicos associados em usuárias da Atenção Primária à Saúde de Passo Fundo, Rio Grande do Sul.
3 Metodologia
Trata-se de um estudo epidemiológico transversal, constituindo um recorte da pesquisa intitulada: “Saúde da mulher e da criança no ciclo gravídico-puerperal em usuárias do Sistema Único de Saúde”. O estudo foi realizado entre dezembro de 2022 e dezembro de 2024, em cinco Unidades Básicas de Saúde (UBS) vinculados à rede municipal de atenção à saúde de Passo Fundo, RS. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas presenciais nas UBSs, utilizando um questionário pré-testado, desenvolvido para o estudo e aplicado por acadêmicas de Medicina previamente treinadas. Para esse recorte, foram consideradas elegíveis usuárias com idade ao engravidar igual ou superior a 18 anos, com filhos de até 2 anos, frutos de gestações únicas, e em acompanhamento de puericultura nas referidas UBS.
Para avaliação da adequação do GPG, desfecho principal do estudo, a amostra foi classificada, inicialmente, de acordo com o IMC pré-gestacional (peso e altura autorreferidos) e, a partir disso, foi definido um limite de ganho de peso ideal para cada gestante, com base nas curvas brasileiras propostas por Surita et al. (2023). Para mulheres classificadas com baixo peso (IMC<18,5 kg/m²), foi considerado adequado o ganho entre 9,7 e 12,2 kg; para eutróficas (IMC ≥ 18,5 e <25 kg/m²) entre 8 e 12 kg; para aquelas com sobrepeso (IMC ≥ 25 e <30 kg/m²) entre 7 e 9 kg; para obesas, independente do grau (IMC≥30 KG/m²) entre 5 e 7,2 kg (SURITA, et al., 2023). Posteriormente, o ganho de peso gestacional foi determinado pela diferença entre o peso autorreferido final e inicial da gestação. Dentre os fatores associados foram analisados aspectos sociodemográficos (idade, cor da pele, situação conjugal, escolaridade, renda familiar), comportamental (prática de atividade física) e clínicos (número de gestações, idade ao engravidar e IMC pré-gestacional).
Os dados foram duplamente digitados no programa EpiData versão 3.1 (distribuição livre). A análise estatística foi executada nos programas PSPP (distribuição livre) e Stata (versão 12.1), a partir da estatística descritiva (n,%), análise da distribuição do desfecho segundo variáveis independentes (teste do qui-quadrado de Pearson) e regressão de Poisson para as estimativas das razões de prevalência brutas e ajustadas, com os respectivos IC95%, na análise dos fatores associados ao GPG adequado. Em todas as análises o nível de significância adotado foi de p<0,05. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal da Fronteira Sul (parecer nº 5.761.013), teve participação voluntária e o termo de consentimento livre e esclarecido assinado previamente por todas as participantes.
4 Resultados e Discussão
No período de realização do estudo, foram entrevistadas 378 mulheres, das quais 241 atenderam aos critérios e foram incluídas nesse recorte de pesquisa, observando-se um predomínio de mulheres autodeclaradas brancas (52,2%), idade média de 27,7 anos (DP± 6,1), que possuíam cônjuge (74,8%). A maioria possuía renda familiar per capita ≤ 1 salário-mínimo (89,7%) e 61,0% das participantes possuíam entre nove e doze anos de estudo.
Em relação à prevalência da adequação do ganho de peso gestacional (GPG), observou-se que apenas 18% (IC95:13-22) das gestantes apresentaram ganho ponderal dentro da faixa recomendada. A inadequação esteve presente em 82% das participantes, sendo predominante o ganho de peso gestacional excessivo (60,1 %). A baixa prevalência de adequação encontrada nesse estudo é expressivamente menor do que previamente reportado em um estudo realizado em 2015 em Pelotas, extremo sul do RS, o qual identificou que 33,5% das gestantes apresentaram GPG adequado, enquanto 35,9% tiveram ganho excessivo e 30,6% ganho insuficiente (Flores et al., 2020). De forma semelhante, um estudo conduzido em Belo Horizonte, MG, identificou uma adequação de GPG em 40,9% das participantes (Silva et al., 2022).
A discrepância entre os resultados encontrados pode ser atribuída, em parte, às diferentes metodologias adotadas para avaliação do ganho ponderal. Enquanto os estudos anteriores basearam-se nas recomendações do Institute of Medicine (IOM), o presente estudo utilizou as curvas brasileiras recentemente propostas, que aplicam limites mais restritivos para a adequação do GPG, o que possivelmente conferiu maior sensibilidade à detecção das inadequações ponderais. Apesar das variações nas prevalências encontradas, ambos os estudos evidenciam que a inadequação do GPG é um problema relevante, reforçando a necessidade de atenção e intervenções no acompanhamento nutricional das gestantes (Goldstein et al., 2018; Surita et al., 2023)
Na análise ajustada dos fatores associados, o IMC pré-gestacional mostrou associação estatisticamente significativa com o ganho de peso inadequado (RP ajustado=1,17; IC95: 1,02–1,34; p=0,024). Gestantes classificadas com baixo peso, sobrepeso ou obesidade antes da gestação apresentaram 17% maior risco de ganho de peso inadequado em comparação às eutróficas. Esse achado corrobora estudos que destacam o IMC pré-gestacional como um dos principais preditores do ganho de peso gestacional (GPG).
O estudo de Silva et al. (2022) verificou que gestantes com sobrepeso ou obesidade têm maior propensão ao ganho excessivo de peso durante a gestação, enquanto as eutróficas possuem uma taxa maior de ganho adequado. Isso pode ser explicado porque gestantes com estado nutricional pré-gestacional inadequado enfrentam maiores desafios para obter ganho de peso gestacional adequado devido às questões sociais, comportamentais e metabólicas associadas ao baixo peso, sobrepeso ou obesidade, tornando o controle do peso durante a gestação um desafio ainda maior. Em relação aos demais fatores, embora a atividade física seja amplamente reconhecida como importante para o controle do GPG, a ausência de associação observada neste estudo pode ser explicada pelo baixo número de participantes que relataram praticá-la. A maioria da amostra era composta por mulheres de baixa renda, um grupo que enfrenta restrições de tempo livre, dificultando a prática regular de atividades físicas no lazer. Estudos como o de Gonzáles et al. (2024) indicam que intervenções estruturadas de atividade física durante a gestação podem auxiliar na modulação do ganho ponderal
As demais variáveis avaliadas, como cor da pele autorreferida, situação conjugal, renda familiar per capita, escolaridade, idade materna ao engravidar e número de gestações prévias, não apresentaram associação estatisticamente significativa com o ganho de peso inadequado.
Entre as limitações do presente estudo está o tamanho amostral possivelmente insuficiente para detectar outras associações estatísticas, além do uso de dados autorreferidos sobre variação ponderal, sujeitos a subestimações. Em contrapartida, destaca-se como pontos fortes o uso das novas curvas brasileiras para avaliação do GPG, oferecendo maior adequação ao contexto das participantes e a avaliação desses desfechos em uma população pouco explorada, como a de usuárias da atenção primária no sistema público de saúde. Ademais, até onde se tem conhecimento, trata-se de um dos primeiros estudos no Brasil a aplicar as novas curvas de ganho de peso gestacional, e o primeiro estudo com foco em usuárias da atenção primária no sistema único de saúde, o que contribui para o planejamento de ações voltadas à promoção da saúde materno-infantil.
5 Conclusão
Este estudo identificou que 17% da amostra apresentou adequação do GPG, sendo que o IMC eutrófico antes da concepção foi um forte preditor dessa adequação. O baixo índice de adequação ponderal observado permite dimensionar a magnitude desse problema na APS, destacando a relevância do tema para a saúde pública e para a prática clínica. A inadequação ponderal durante a gestação é um problema complexo e multifatorial, mas potencialmente modificável, que demanda uma abordagem multidisciplinar. Por ser um período em que as mulheres demonstram maior disposição para seguir orientações de saúde e desenvolvem um vínculo com a Atenção Primária, a gestação é o momento ideal para propor mudanças no estilo de vida. Sendo assim, a compreensão dos fatores relacionados a adequação do GPG possibilita a adoção de estratégias de monitoramento e intervenção clínica que objetivam a promoção de uma gestação saudável e consequentemente dos desfechos de saúde materna e infantil.
Downloads
Publicado
Edição
Seção
Licença
Copyright (c) 2025 JORNADA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

Este trabalho está licenciado sob uma licença Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Submeto o trabalho apresentado como texto original à Comissão Científica da XVI JIC, o qual apresenta os resultados de subprojeto de pesquisa, e concordo que os direitos autorais a ele referentes se tornem propriedade do Anais da XVI JIC da UFFS.
Observação: Caso o trabalho possua caráter sigiloso, o apresentador deve informar à Comissão Organizadora através do e-mail jic.dpe@uffs.edu.br nos prazos indicados no Regulamento (www.uffs.edu.br/jic).