INFORMAÇÃO E DESINFORMAÇÃO EM SAÚDE: POSSIBILIDADES COMUNICACIONAIS NOS PROCESSOS SAÚDE-DOENÇA NA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Palavras-chave:
Atenção Primária à Saúde; Estratégia Saúde da Família; desinformação em saúde; infodemia; comunicação em saúde.Resumo
1 Introdução
A disseminação de informações confiáveis em saúde é condição essencial para a promoção do bem-estar coletivo e para o fortalecimento de políticas públicas de prevenção e cuidado. Entretanto, o avanço de conteúdos imprecisos ou falsos, muitas vezes revestidos de aparência de legitimidade, intensifica a desinformação, fragiliza a confiança social e reduz a eficácia das medidas preventivas (BRASIL, 2021). As redes sociais exacerbaram esse cenário, permitindo que informações enganosas se espalhem rapidamente e suplantem conteúdos baseados em evidências (Wang et al., 2019). No contexto da pandemia de Covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2022) qualificou esse fenômeno como infodemia, isto é, uma “superabundância de informações, precisas ou não, que dificulta que as pessoas encontrem fontes confiáveis e orientações quando precisam”. No Brasil, a situação foi agravada pela circulação de narrativas falsas acerca das vacinas contra a Covid-19, o que resultou na diminuição das coberturas vacinais e representou uma ameaça às políticas públicas, à ciência e ao Sistema Único de Saúde (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2024). Essa conjuntura evidencia que a desinformação em saúde constitui um dos maiores desafios contemporâneos para a governança em saúde, pois compromete ações de prevenção, adesão a tratamentos e a própria credibilidade das instituições (OMS, 2022). Sob o ponto de vista metodológico e analítico, o enfrentamento da desinformação demanda abordagens qualitativas que permitam compreender os sentidos e as práticas sociais que sustentam a circulação de conteúdos falsos. Nesse campo, autores como Martins (2004) defendem a importância da metodologia qualitativa para captar dimensões simbólicas e subjetivas do fenômeno, enquanto Bardin (2016) oferece suporte teórico para a análise de conteúdo, útil para examinar criticamente discursos e narrativas difundidos em meios digitais. Assim, a articulação entre o rigor científico e a comunicação clara torna-se imprescindível para conter os efeitos da desinformação, reafirmando o papel estratégico do SUS e das instituições de saúde pública no fortalecimento da confiança social. A OMS reconhece que a desinformação constitui uma das principais ameaças à saúde global, pois compromete ações de prevenção, controle de doenças e adesão a tratamentos baseados em evidências (OMS, 2022).
2 Objetivos
Explorar como a informação e a desinformação afetam a saúde das gestantes e identificar práticas da equipe da Estratégia de Saúde da Família que assegurem comunicação eficaz, equitativa e baseada em evidências.
3 Metodologia
Este estudo constitui-se como pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso, de caráter exploratório e descritivo, com o objetivo de compreender fenômenos sociais complexos no contexto real. O enfoque qualitativo permite analisar microprocessos das ações individuais e coletivas, proporcionando compreensão aprofundada das experiências das gestantes (Martins, 2004). O estudo de caso foi selecionado por possibilitar a investigação detalhada de um fenômeno contemporâneo em seu contexto, preservando suas características holísticas e significativas. A pesquisa seguiu os critérios do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ), assegurando rigor metodológico e cumprimento das etapas éticas. O cenário foi o Centro de Saúde da Família Parque das Palmeiras/Jardim América “Vereador Victor Batista Nunes”, em Chapecó/SC, unidade que atende uma população diversificada, com infraestrutura adequada, acesso a transporte e serviços sociais, e marcada pela diversidade cultural e socioeconômica. A escolha da unidade foi intencional, considerando sua centralidade territorial, diversidade de usuários e vínculo prévio da pesquisadora com o local, permitindo maior adequação do roteiro de pesquisa à realidade local. Foram convidadas para participar da pesquisa todas as gestantes vinculadas à unidade e que aceitaram participar do grupo de gestantes realizado em agosto de 2024, com idade superior a 18 anos e cadastro ativo na unidade, totalizando sete participantes (quatro brasileiras e três imigrantes). A coleta de dados ocorreu por grupo focal, conduzido em ambiente reservado e estruturado da UBS, utilizando roteiro semiestruturado para explorar percepções sobre informação, desinformação e literacia em saúde durante a gestação. Os dados foram gravados, transcritos e analisados por meio da análise de conteúdo temática, seguindo etapas de pré-análise, codificação/categorização e interpretação, com base nos referenciais teóricos sobre política de saúde da mulher e (des)informação em saúde (Bardin, 2011). Todas as etapas respeitaram os princípios éticos da Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, incluindo consentimento informado, anonimato, confidencialidade e garantia de retirada da participação a qualquer momento. A aprovação do CEP se deu pelo parecer número 6.944.285 e CAAE número 7991942.8.0000.5564 em 11 de julho de 2024.
4 Resultados e Discussão
O perfil das gestantes participantes revelou diversidade socioeconômica, etária e cultural, incluindo brasileiras e imigrantes haitianas, com idades entre 21 e 42 anos e idade gestacional variando de 12 a 38 semanas. Algumas participantes realizaram acompanhamento especializado na Clínica da Mulher, devido a fatores de risco como hipotireoidismo, neutropenia, idade materna avançada e histórico de aborto ou óbito neonatal. A análise evidenciou que o acesso à informação sobre gestação ocorre por múltiplos canais, incluindo profissionais de saúde, familiares, redes sociais e internet. Entretanto, barreiras linguísticas e culturais influenciaram significativamente a compreensão e a confiança nas informações, sendo a mediação de familiares ou colegas fundamentais para superar essas dificuldades. As gestantes demonstraram interesse especial por temas alimentares, buscando informações adicionais na internet, mas confirmando sempre com profissionais de saúde antes de tomar decisões. As percepções das participantes sobre a confiabilidade das informações reforçam a centralidade do vínculo com profissionais da APS. Embora utilizem vídeos, redes sociais e conselhos familiares como fontes complementares, a confiança plena recai sobre médicos e enfermeiros, especialmente aqueles que proporcionam atendimento acessível e comunicação culturalmente sensível. O papel da enfermeira se destacou como mediador da informação, facilitando compreensão e esclarecimento de dúvidas, inclusive em contextos multilíngues. Esses achados reforçam que, nos processos saúde-doença, a mediação profissional é essencial para reduzir riscos de desinformação e fortalecer a tomada de decisão baseada em evidências, evidenciando o potencial da APS como espaço de comunicação eficaz e equitativa para diferentes perfis socioculturais. Diante disso, o enfrentamento da desinformação em saúde deve ser pensado como um esforço coletivo e multidimensional, que envolve desde políticas públicas de comunicação até estratégias de educação em saúde e fortalecimento do letramento midiático. Conforme ressalta o Ministério da Saúde (2024), trata-se de uma “luta de todos”, em que a credibilidade científica e a capacidade de diálogo com a sociedade se tornam condições indispensáveis para mitigar os efeitos da infodemia e garantir a efetividade do Sistema Único de Saúde.
5 Conclusão
A análise das experiências das gestantes participantes evidenciou que o acesso à informação em saúde no período gestacional é fortemente mediado pela fonte e pelos canais utilizados. Informações obtidas em redes sociais, vídeos e sites não especializados apresentam maior risco de desinformação, gerando dúvidas quanto a condutas relacionadas à gestação, especialmente no que se refere à alimentação. No entanto, a confiança recai majoritariamente sobre médicos e enfermeiros da Estratégia de Saúde da Família, que desempenham papel central na mediação do conhecimento científico e na promoção de decisões seguras e informadas pelas gestantes. O contato com profissionais preparados, acessíveis e culturalmente sensíveis mostrou-se determinante para reduzir os impactos da desinformação e fortalecer o vínculo de confiança com os usuários. Apesar da confiabilidade atribuída aos profissionais de saúde, o risco de exposição à desinformação permanece presente, refletindo a vulnerabilidade das gestantes frente a conteúdos imprecisos. Barreiras linguísticas e culturais, especialmente em contextos de diversidade populacional, e a limitada literacia digital em saúde dificultam a identificação de notícias falsas e a compreensão de informações complexas. Nesse cenário, o papel do enfermeiro e dos demais profissionais de saúde transcende a orientação clínica, assumindo função educativa, de mediação e de construção de espaços de diálogo seguros. A escuta ativa, o respeito às práticas culturais e a atualização contínua do conhecimento científico são estratégias essenciais para garantir atendimento equitativo, integral e humanizado. Por fim, recomenda-se que futuras pesquisas aprofundem a compreensão da desinformação em saúde materno-infantil, investigando como dinâmicas de confiança, comunicação e educação em saúde podem influenciar positivamente a adesão às orientações médicas e fortalecer a qualidade dos processos saúde-doença na atenção primária. É necessário também fortalecer programas de letramento em saúde voltados para gestantes e suas famílias, ampliando a capacidade crítica diante de informações complexas. A integração das equipes de atenção primária com as comunidades locais pode favorecer a disseminação de informações confiáveis e o apoio social.
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