PREVALÊNCIA DE MULTIMORBIDADE EM ADULTOS ACOMPANHADOS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA DE SAÚDE

  • Francisca Mayara Soares Gama Universidade Federal da Fronteira Sul
  • Gustavo Olszanski Acrani Universidade Federal da Fronteira Sul
  • Ivana Loraine Lindemann Universidade Federal da Fronteira Sul
Palavras-chave: Epidemiologia; Doença Crônica; Saúde Pública.

Resumo

 1 Introdução

As doenças crônicas compõem o principal desafio que os sistemas de saúde enfrentam em todo o mundo, mas as estruturas de saúde estão largamente configuradas para doenças individuais e não para a multimorbilidade (BARNETT et al., 2012). A saber, a multimorbidade foi definida como a presença simultânea de duas ou mais condições crônicas, como por exemplo, doenças cardiovasculares, diabetes e doença pulmonar obstrutiva crônica (AHMADI et al., 2016). Ademais, pacientes com múltiplas condições são a regra, e não a exceção na atenção primária (FORTIN et al, 2005).

As múltiplas condições crônicas estão presentes no contexto de saúde pública no Brasil, e quando analisada em adultos, na cidade de Passo Fundo- RS foi encontrada prevalência de 31% (IC95% 28–34) (ALBERGARIA et al., 2023). Assim, evidencia-se a essencialidade da compreensão epidemiológica da multimorbidade na Atenção Primária de Saúde (APS) para aperfeiçoamento dos serviços de saúde.

 

2 Objetivos

Estimar a prevalência de multimorbidade em adultos acompanhados na APS, caracterizar a amostra quanto a aspectos sociodemográficos e de comportamento, além de verificar a distribuição da multimorbidade de acordo com as características sociodemográficas e de comportamento dos adultos.

 

3 Metodologia

Trata-se de estudo transversal, realizado de setembro de 2023 a agosto de 2024, com adultos atendidos no ano de 2019 na APS do município de Marau/RS. Para composição da amostra, foram listados todos os indivíduos de 20 a 59 anos de idade, de ambos os sexos, que tiveram agendamento para consulta médica e/ou de enfermagem durante o ano de 2019. A amostragem foi sistemática para obtenção do n estimado em 1.234 e foram excluídos aqueles que evoluíram ao óbito naquele ano e os que não realizaram nenhuma consulta. A coleta de dados foi realizada por meio do acesso on-line ao sistema de prontuários integrados das Estratégias de Saúde da Família do município, o G-MUS - Gestão Municipal de Saúde, com login e senha disponibilizados pela Secretaria Municipal de Saúde. Os dados foram diretamente digitados no software EpiData e as análises estatísticas foram realizadas no software PSPP (ambos de distribuição livre). A amostra foi caracterizada por meio de estatística descritiva quanto a aspectos sociodemográficos (idade, sexo, cor da pele, escolaridade e situação no mercado de trabalho), de morbidades (hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, doença cardíaca, infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular encefálico (AVE), doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), asma e câncer) e comportamentais (consumo de tabaco e de álcool). A multimorbidade (variável dependente) foi operacionalizada como ocorrência simultânea de duas ou mais doenças crônicas dentre as listadas, sendo calculada a sua prevalência com intervalo de confiança de 95% (IC95) e verificada sua distribuição conforme as variáveis de exposição empregando-se o teste do qui-quadrado e admitindo-se erro tipo I de 5%. O projeto de pesquisa “Agravos, Morbidades e Assistência à Saúde na Atenção Primária”, do qual este estudo faz parte, foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Fronteira Sul, sob parecer de número 4.769.903, respeitando os preceitos da ética em pesquisa com seres humanos.

 

4 Resultados e Discussão

A amostra foi constituída de 1.581 participantes, destacando-se sexo feminino (63,2%), idade entre 50 e 59 anos (26,7%), ensino fundamental completo ou mais (56,1%), empregados (47,5) e, cor de pele branca (77,3%). No que diz respeito aos hábitos e à saúde, 9,9% eram tabagistas, 3,7% faziam uso de bebida alcoólica, 80,2% eram hipertensos, 6,3% diabéticos, 1,8% portadores de doença cardíaca, 0,4% com infarto agudo do miocárdio, 0,9% com acidente vascular encefálico, 0,5% com doença pulmonar obstrutiva crônica, 1,9% com asma e, 1,8% com câncer. Ainda, a prevalência de multimorbidade foi de 12,2% (IC95 11-14).

Na literatura, a temática de doenças concomitantes na população adulta brasileira aparece no estudo realizado com mulheres de 40 a 65 anos, de Belo Horizonte - MG, com uma prevalência de 39,3% (MACHADO et al., 2012). Em outro trabalho, com foco na população adulta jovem, cuja fonte de dados foi a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), a multimorbidade foi estimada em 7,8% (SILVEIRA et al., 2023). Desse modo, fica notável que a prevalência da multimorbidade é bastante variável a depender da amostra e da metodologia utilizada.

Ademais, neste estudo a multimorbidade foi mais prevalente entre os indivíduos com idade entre 50-59 anos (28,9%; p<0,001), com cor da pele branca (13,3%; p=0,037) e desempregados (23,5%; p<0,001). A literatura aponta para maior frequência da multimorbidade em idades mais avançadas (BORTOLUZZI et al., 2024; ALCANTARA et al., 2023). Em inquérito domiciliar com idosos do município de Coxilha - RS, por exemplo, detectou-se prevalência de multimorbidade de 41,6% em 2021 (BORTOLUZZI et al., 2024).  Quanto à cor da pele, segundo o censo populacional de 2022, a população gaúcha é composta por 78,4% de indivíduos brancos, justificando a maior prevalência do desfecho no grupo. Concernente à situação sem emprego, justifica-se, segundo o Ministério da Previdência Social (2018), devido a participação no mercado de trabalho da faixa etária de 50-59 anos cair para 68,3%, por razão da maior incidência da invalidez e aposentadorias precoces.

Relativo ao histórico de saúde, observou-se prevalência, entre as doenças concomitantes, de hipertensão arterial sistêmica (HAS) (80,3%) e diabetes mellitus (DM) (44,6%). Relativo a HAS, o relatório do Ministério da Saúde (2022) aponta que o número de adultos com diagnóstico médico de hipertensão saiu de 22,6% em 2006 para 26,3% em 2021, um aumento de 3,7% em 15 anos. Esse aumento crescente da condição é um fator de alerta, visto que até dois terços dos pacientes hipertensos têm outras morbidades (WLEKLIK et al., 2023). Acerca da DM, no estudo realizado com pacientes que receberam o diagnóstico, 93% tinham uma ou mais doenças adicionais (HEIKKALA et al., 2021), ou seja, eram considerados multimórbidos.

De acordo com o observado, há divergências ao que concerne à prevalência de multimorbidade a depender do tipo de população e metodologia utilizada, porém em todos os estudos foi evidenciada a  associação de multimorbidades com doenças crônicas e histórico médico, isso torna claro a importância da temática dentro da pesquisa e do planejamento de saúde no Brasil.

 

5 Conclusão

Dentre os usuários adultos atendidos na APS do município de Marau, RS, destacam-se mulheres, com idade entre 50 e 59 anos, ensino fundamental completo ou mais, empregadas e com cor de pele branca. Ainda, 9,9% eram tabagistas, 3,7% faziam uso de bebida alcoólica, 80,2% eram hipertensos, 6,2% eram diabéticos e 1,8% portadores de doença cardíaca. A multimorbidade foi observada em 12,2% da amostra, com maior frequência entre aqueles com idade mais avançada, brancos e desempregados. Ou seja, a prevalência nesse estudo demonstra que a multimorbidade vem surgindo cada vez mais precocemente, indicando a necessidade de políticas públicas que busquem a prevenção primária e o diagnóstico precoce de doenças crônicas. Assim, se evitaria a progressão para multimorbidade e a entrada na estatística de risco de mortalidade aumentada. 

 

Referências Bibliográficas

AHMADI, Batoul et al. Multimorbidity. Medicine, [S.L.], v. 95, n. 7, p. 1-7, 2016. Ovid Technologies (Wolters Kluwer Health). http://dx.doi.org/10.1097/md.0000000000002756.

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ALCANTARA, Marcus Alessandro de et al. Fatores associados a multimorbidades autorreferidas em trabalhadores da rede de saúde municipal. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, [S.L.], v. 48, n. 1, p. 1-13, 2023. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/2317-6369/35120pt2023v48e2.

BARNETT, Karen et al. Epidemiology of multimorbidity and implications for health care, research, and medical education: a cross-sectional study. The Lancet, v. 380, n. 9836, p. 37-43, 2012. Disponível em: doi:10.1016/S0140-6736(12)60240-2.

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BRASIL. Ministério da Saúde. Relatório aponta que número de adultos com hipertensão aumentou 3,7% em 15 anos no Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/maio/relatorio-aponta-que-numero-de-adultos-com-hipertensao-aumentou-3-7-em-15-anos-no-brasil. Acesso em: 10 ago. 2024.

FORTIN, Martin et al. Prevalence of multimorbidity among adults seen in family practice. Ann Fam Med, v.3, p. 223-228, 2005. Disponível em: doi: doi.org/10.1370/afm.272

MACHADO, Vanessa de Souza Santos et al. Multimorbidity and associated factors in Brazilian women aged 40 to 65 years. Menopause, [S.L.], v. 19, n. 5, p. 569-575, 2012.

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SILVEIRA, Ana Daniela Silva da et al. Estimativa de multimorbidade em jovens brasileiros: resultados da pesquisa nacional de saúde 2019. Ciência & Saúde Coletiva, [S.L.], v. 28, n. 9, p. 2699-2708, 2023. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232023289.1184202

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Palavras-chave: Epidemiologia; Doença Crônica; Saúde Pública.

Nº de Registro no sistema Prisma: PES 2023-0137.

Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 

Publicado
19-09-2024
Seção
Ciências da Saúde - Campus Passo Fundo