PANORAMA DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA EM PERIÓDICOS DA ÁREA DA SAÚDE PÚBLICA E COLETIVA SOBRE ECOLOGIA DE SABERES E CUIDADO EM SAÚDE
Resumo
1 Introdução
O sociólogo Boaventura de Sousa Santos (2004) foi um dos primeiros a utilizar a expressão "Ecologia de Saberes", que significa uma diversidade de conhecimentos. Isso implica na necessidade de estabelecer diálogos entre o saber científico e os conhecimentos leigos, populares, tradicionais e campesinos, além dos provenientes de outras culturas não ocidentais presentes na sociedade. Desse modo, esses saberes, desenvolvidos ao longo da história da humanidade, precisam encontrar pontos de intersecção e receber mútua valorização.
Por isso, reconhecendo a magnitude da necessidade de diálogo entre o conhecimento científico moderno e os saberes das comunidades tradicionais e tendo como norte o conceito de “ecologia de saberes” de Boaventura Sousa Santos, entende-se a relevância de conduzir uma pesquisa bibliográfica para aprofundar os conhecimentos sobre a interação entre práticas integrativas e complementares e os saberes tradicionais dos povos nativos no cuidado em saúde e na promoção da saúde das populações, contribuindo assim para dar visibilidade às produções que versam sobre o tema. Sendo assim, este trabalho teve como objetivo principal identificar e analisar a produção científica sobre a articulação de saberes, em periódicos de destaque na área da saúde pública e coletiva, no período de 1988 a 2022.
2 Objetivo
Analisar a produção científica, em periódicos de destaque na área da saúde pública e coletiva, no período de 1988 a 2022 acerca da ecologia de saberes na estruturação e oferta de cuidados na área da saúde.
3 Metodologia
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa. Os dados foram coletados nas Revistas Saúde em Debate e Revista de Saúde Pública, abrangendo o período de 1988 a 2022. Foram encontrados dezessete na Revista Saúde em Debate e nove na Revista de Saúde Pública. Para a análise dos dados, utilizou-se o Método de Análise de Conteúdo de Bardin (2004), revelando duas categorias principais: a abordagem do uso da articulação de saberes nas práticas em saúde e estudos dos saberes e cuidados em saúde dos povos indígenas no Brasil.
4 Resultados e Discussão
4.1 Abordagem do uso da articulação de saberes nas práticas em saúde
Para os autores Tesser e Barros (2008) as práticas de Medicina Alternativa e Complementar podem ser organizadas em: sistemas médicos alternativos (homeopatia, medicina ayurvédica), intervenções mente-corpo (meditações, orações), terapias biológicas (baseados em produtos naturais não reconhecidos cientificamente), métodos baseados no corpo (massagens, exercícios), e terapias energéticas (reiki, chi ́i gong). Aliado a isso, é destacado que práticas como lian gong, yoga, tai chi chuan, toque terapêutico, reiki entre outras, vêm tendo grande aceitação por profissionais e usuários.
Ainda sobre, o Machado et al. (2012) acrescenta que as Práticas Integrativas e Complementares (PIC) são classificadas de acordo com sua aplicação: quando utilizadas em conjunto com práticas da biomedicina, são chamadas complementares; se substituem uma prática biomédica, são consideradas alternativas; e quando combinadas com base em avaliações científicas rigorosas de segurança e eficácia, são denominadas integrativas.
De acordo com Vasconcelos (1996), a medicina popular transcende a separação que a alopatia faz entre aspectos biológicos, espirituais e psicológicos. Utilizando chás, orações, alimentos especiais e afeto, ela aborda a experiência de adoecer de maneira holística, não limitando-se à recuperação do órgão afetado. Essas práticas, enraizadas em dimensões religiosas e acolhedoras, não apenas ajudam o paciente e sua família a enfrentar crises causadas pela doença, mas também a reconfigurar sua percepção do sofrimento vivenciado, promovendo solidariedade, gratidão, segurança e felicidade.
Sob essa ótica, o estudo de Dacal e Silva (2018) aborda que as Práticas Integrativas e Complementares adotam um modelo holístico de tratamento visando alcançar harmonia e equilíbrio em todo o organismo. Estas práticas consideram a saúde como uma questão de equilíbrio entre os níveis físico, mental, emocional e espiritual do ser humano, buscando integrá-lo harmoniosamente com seu ambiente.
Entre os benefícios trazidos pelas práticas integrativas e complementares, Aguiar et al. (2019) destaca a diminuição da dependência de medicamentos, o fortalecimento do autocuidado e a promoção da responsabilização pela própria saúde. Além disso, elas têm o potencial de reduzir transtornos mentais comuns, incentivar autonomia e participação ativa dos usuários, sendo caracterizadas por baixo custo, com poucos ou nenhum efeito colateral.
Na apreciação dos artigos selecionados, observou-se que muitos debatiam estudos realizados sobre as opiniões de diferentes populações sobre as práticas de saúde integrativas. Também se notou que existiam estudos que abordaram a utilização dessas práticas por determinadas parcelas da população. Além disso, muitos artigos discorreram sobre algumas práticas de saúde, descrevendo-as e salientando sua importância para a cultura.
4.2 Estudos dos saberes e cuidados em saúde dos povos indígenas no Brasil
Langdon (1988) relata que a prática de medicina entre os indígenas é feita com uma abordagem de causalidade dupla e que tende a ser mais holística do que a medicina científica convencional, tendo em vista que ela considera diversos fatores de estresse derivados das relações sociais, trabalho, ambiente cultural, entre outros, que são geralmente negligenciados nos tratamentos da medicina moderna.
Nesta mesma linha de estudos, Simonian (1988) complementa com informações sobre o xamanismo, abordando que o xamã é o responsável pela intermediação feita entre os pacientes e os espíritos da natureza, as entidades e os deuses, sempre visando alcançar a cura, em uma relação com o paciente totalmente personalizada caso a caso. Entre as técnicas utilizadas pelos xamãs, de acordo com Junior (1994), está presente a fitoterapia, massagens, rezas, fumigações, e outras, que em geral são de baixo custo e frequentemente apresentam bons resultados na cura de diversas afecções.
Dentro desse contexto, Almeida (1988) aborda em específico como é feito o diagnóstico das enfermidades e o tratamento delas. Segundo ele, na anamnese é investigado eventuais traumas anteriores, como sonhos, pesadelos e sustos. Alguns procedimentos terapêuticos incluem o uso de secreções humanas como leite materno, cinzas de animais ou plantas, gordura animal, unguentos, fricções e regimes alimentares específicos, incluindo restrições a alimentos frios ou quentes.
Na apreciação dos artigos selecionados, observou-se que muitos debatiam os impactos da história de ocupação do território brasileiro na saúde indígena, o conceito de saúde e doença na cosmovisão indígena e relatavam opiniões, tendências e desafios relacionadas à saúde indígena.
5 Conclusão
A ecologia de saberes e cuidados em saúde é uma abordagem interdisciplinar essencial para promover avanços na saúde pública e coletiva, integrando conhecimentos e práticas tradicionais e contemporâneas. Neste sentido, os artigos selecionados para o desenvolvimento desta pesquisa bibliográfica contribuíram para obtermos um panorama acerca dos estudos publicados sobre o tema, num período de trinta e quatro anos. Devido ao seu longo período temporal, é notável a falta de estudos conduzidos e divulgados sobre este assunto.
Nesse sentido, é fundamental reconhecer a urgência de políticas públicas e estratégias de pesquisa que valorizem e incorporem as práticas de saúde baseadas em saberes tradicionais e complementares. Isso não apenas ampliaria as opções terapêuticas disponíveis, mas também fortaleceria a relação entre profissionais de saúde e usuários, promovendo um cuidado mais integral e humanizado. A promoção dessas práticas pode contribuir significativamente para a redução de custos e efeitos adversos dos tratamentos convencionais, além de resgatar e valorizar o vasto conhecimento ancestral presente no Brasil.
Por fim, para concluir, espera-se que o panorama delineado por esta pesquisa bibliográfica não apenas inspire, mas também catalise o desenvolvimento e a ampliação de novos estudos sobre a integração de saberes e práticas em saúde. Esses estudos são essenciais para a expansão do conhecimento científico e para fomentar um amplo espaço de reflexão e debate na comunidade acadêmica e entre profissionais de saúde.
Referências Bibliográficas
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LANGDON, Esther Jean. Saúde Indígena: a lógica do processo de tratamento. Saúde em Debate. Rio de Janeiro, n. especial, edição especial, p. 11-14, Jan., 1988.
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SANTOS, Boaventura de S. Um conhecimento prudente para uma vida decente: um discurso sobre as ciências. São Paulo: Editora Cortez, 2004.
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Palavras-chave: Cuidados em saúde; Ecologia de saberes; Saúde coletiva.
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