PREVALÊNCIA DOS GENES DE VIRULÊNCIA DA HELICOBACTER PYLORI EM AMOSTRAS DE MUCOSA ORAL.
Resumo
1 Introdução
O câncer gástrico é uma doença com uma gama de fatores associados ao seu desenvolvimento, desde genéticos até comportamentais, devido à exposição a agentes infecciosos, como o Helicobacter pylori, que é um bacilo gram-negativo, microaerófilo e flagelado. Desde a sua descoberta, chegou-se ao consenso da relação dessa bactéria com o desenvolvimento de doenças gastrointestinais.
O mecanismo preciso de transmissão do H. pylori ainda não foi completamente esclarecido. Alguns estudos recentes detectaram a presença de material genético dessa bactéria na cavidade oral (Salmaniam et al., 2008). Esses dados contribuem para o entendimento de que esse microrganismo possa utilizar a cavidade oral como meio de infecção ou reinfecção, ou mesmo meio reservatório nos indivíduos, podendo a regurgitação do suco gástrico ser uma forma de contribuição para tal (Desai et al., 1991).
O H. pylori possui alguns genes de virulência que provocam e intensificam diversas disfunções gástricas. O gene cagA (cytotoxin-associated gene A) induz a produção da proteína de mesmo nome, a qual atua como antígeno imunogênico, responsável por uma maior expressão de citocinas inflamatórias, como a Interleucina (IL)-8 e IL-1β. Assim, convém destacar que pacientes infectados por cepas cagA positivas têm um risco três vezes maior para o desenvolvimento de câncer gástrico em relação às cepas cagA negativas (Parsonet et al., 1997). Adicionalmente, o gene oipA está relacionado com processos inflamatórios e úlcera péptica, devido à codificação da Proteína Inflamatória Externa (outer membrane inflammatory protein - oipA), que provoca o aumento da inflamação e secreção de IL-8 (Tabassam, Graham, Yamaoka, 2008), facilita a infiltração de neutrófilos nas células do hospedeiro, potencializa a inflamação e permite a colonização da bactéria na mucosa gástrica (Horridge et al., 2017).
2 Objetivos
Avaliar a frequência dos genótipos de Helicobacter pylori de acordo com a presença de genes de virulência em amostras bucais de pacientes em atendimento ambulatorial e relacioná-los às características sociodemográficas e de saúde dos pacientes estudados.
3 Metodologia
Trata-se de um estudo transversal realizado na cidade de Passo Fundo, RS, entre 01 de setembro de 2023 a 31 de agosto de 2024. O trabalho é um recorte do estudo prévio, cujas amostras foram coletadas no período de 2020 a 2023 de pacientes que aguardavam atendimento nos ambulatórios da Universidade Federal da Fronteira Sul campus Passo Fundo, com inclusão de 263 amostras. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFFS sob parecer número 4.527.806.
Os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido e responderam a um questionário sobre dados sociodemográficos e comportamentais. Após concordância, escovas cervicais descartáveis estéreis foram utilizadas para a coleta de amostras da cavidade oral dos participantes, através de raspagem da mucosa oral. Após a coleta, a escova foi acondicionada em tubo estéril de 15 mL contendo 1 mL de solução tampão que foram mantidos a -20º C até a extração do DNA, através do método CTAB/NaCl e precipitação com clorofórmio-ácool-isoamílico.
A detecção de DNA de H. pylori nas amostras foi realizada com primers específicos através da técnica de Reação em Cadeia da Polimerase (PCR). As amostras positivas foram então consideradas para o presente estudo, com a detecção dos genes de virulência pela técnica de PCR, com uso de primers específicos, descritos por Ranjbar et al. (2018).
Os dados dos questionários e os laudos dos resultados da PCR foram digitados duplamente em uma planilha eletrônica no EPIDATA. A análise estatística descritiva consistiu de distribuição de frequências (prevalência das variáveis dependentes e proporções das variáveis independentes). Para a análise da relação da variável dependente com as independentes foi empregado o Teste de Qui quadrado ou Teste Exato de Fisher, considerando-se o nível de significância estatística de 5%.
4 Resultados e Discussão
A prevalência de amostras positivas para H. pylori foi de 35,7% (n=94/263), as quais foram consideradas para esse estudo. Dentre as 94 amostras positivas, observou-se predominância do sexo feminino (67%), faixa etária de 30 a 59 anos (58,5%), com escolaridade até ensino fundamental (48,9%) e moradores da zona urbana (80,9%). Poucos foram os casos de pessoas que moravam sozinhas (9,6%), enquanto o percentual de pessoas que viviam com 4 ou mais pessoas no mesmo domicílio foi de 25,5% (Tabela 1). O perfil sociodemográfico foi semelhante ao observado por Aguiar et al. (2008), em um estudo dedicado à busca desse patógeno na cavidade oral, cuja prevalência foi de 60,4% no sexo feminino. O tabagismo e o etilismo foram reportados por 13,8% e 34,0% dos indivíduos, respectivamente (Tabela 1).
A prevalência do gene cagA foi de 11,7%, enquanto a do gene oipA foi de 22,3%, sendo que 2,1% tiveram detecção dos dois genes. A prevalência do gene cagA nesse estudo foi consideravelmente menor à encontrada no estudo de Medina et al., (2017), os quais encontraram 45% de positividade para cagA em indivíduos positivos para H. pylori na cavidade oral. Convém destacar que o estudo referenciado trabalhou com indivíduos sintomáticos para problemas gástricos e com indicação para endoscopia, o que pode justificar a prevalência superior dos dados. Flores-Treviño et al. (2019), observaram uma presença de 21,7% para o gene cagA naqueles indivíduos positivos para H.pylori e com o diagnóstico de periodontite. Por outro lado, na Tailândia, quase 50% de pacientes assintomáticos com detecção de H. pylori bucal apresentaram o gene cagA (Tirapattanunet al., 2016), o que reforça o fator regionalidade para a distribuição dos genes de virulência nas diferentes populações, como ressaltado por Kim et al., (2021) quanto à distribuição do gene oipA entre coreanos e norte-americanos. No presente estudo, a presença do gene de virulência em mais de 10% dos indivíduos portadores de H. pylori bucal alerta para a possibilidade dessa parcela da população possuir reservatório de cepas relacionadas ao câncer gástrico na população estudada.
Os dados sobre a prevalência do gene oipA na cavidade oral de pacientes são escassos, o que afirma o pioneirismo do presente estudo. Em biópsias gástricas positivas para H. pylori, a prevalência desse gene é superior a 36% (Maciel et al., 2024).
Dentre as características de saúde, foi visto com significância estatística que indivíduos tabagistas apresentaram uma maior prevalência do gene cagA (30,8%) em relação aos não tabagistas (9,6%), p=0,035 (Tabela 1). É importante destacar que não foram encontrados dados na literatura que abordem a relação do tabagismo e a presença de cepas cagA positivas. Dessa maneira, a explicação do mecanismo fisiopatológico dessa possível associação e o entendimento do tabagismo como fator de risco para cepas mais virulentas do H. pylori torna-se um tópico importante de novos estudos a fim de entender essa correlação.
Os dados sociodemográficos e de saúde não se relacionaram significativamente com a presença do gene oipA, assim como Maciel et al. (2024) não encontraram relação entre positividade desse gene e variáveis como sexo e idade. Tais resultados demonstram que ainda não há um perfil de pacientes acometidos, e a detecção pode auxiliar no acompanhamento e manejo para que gastropatias não se desenvolvam nos indivíduos acometidos.
5 Conclusão
A prevalência de genes de virulência de H. pylory varia de 12-23% na mucosa oral de indivíduos positivos para a bactéria nessa localidade, o que pode representar possível reservatório e maior possibilidade de desenvolvimento de gastropatias. Não há um perfil sociodemográfico estabelecido entre pacientes sintomáticos ou não, o que indica a necessidade de novos estudos e também rastreio das cepas virulentas na população em geral. Por outro lado, o tabagismo está significativamente relacionado à presença de cagA, o que alerta para maior possibilidade de doenças relacionadas à bactéria nessa população.
Referências Bibliográficas
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FLORES-TREVIÑO, C. E. et al. Molecular detection of Helicobacter pylori based on the presence of cagA and vacA virulence genes in dental plaque from patients with periodontitis. Journal of dental sciences, v. 14, n. 2, p. 163-170, 2019.
HORRIDGE, D. N. et al. Outer inflammatory protein a (OipA) of Helicobacter pylori is regulated by host cell contact and mediates CagA translocation and interleukin-8 response only in the presence of a functional cag pathogenicity island type IV secretion system. Pathogens and disease, v. 75, n. 8, p. ftx113, 2017.
KIM, A. et al. Geographic diversity in Helicobacter pylori oipA genotype between Korean and United States isolates. Journal of Microbiology, v. 59, p. 1125-1132, 2021.
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MEDINA, M. L.; MEDINA, M. G.; MERINO, L. A. Correlation between virulence markers of Helicobacter pylori in the oral cavity and gastric biopsies. Arquivos de Gastroenterologia, v. 54, n. 3, p. 217-221, 2017.
PARSONNET, J., Friedman, G. D., Orentreich, N., & Vogelman, H. (1997). Risk for gastric cancer in people with CagA positive or CagA negative Helicobacter pylori infection. Gut, 40(3), 297-301.
RANJBAR, R., Farsani, F. Y., & Dehkordi, F. S. (2018). Phenotypic analysis of antibiotic resistance and genotypic study of the vacA, cagA, iceA, oipA and babA genotypes of the Helicobacter pylori strains isolated from raw milk. Antimicrobial Resistance & Infection Control, 7, 1-14.
SALMANIAN AH; Siavoshi F; Akbari F; AfshariA; Malekzadeh R. Yeast of the oral cavity is the reservoir of Heliobacter pylori. J Oral Pathol Med. Feb 5, 2008.
TABASSAM FH, Graham DY, Yamaoka Y (2008) OipA plays a role in Helicobacter pylori-induced focal adhesion kinase activation and cytoskeletal re-organization. Cell Microbiol 10(4):1008–1020. https://doi.org/10.1111/j.1462-5822.2007.01104.x
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