Perspectivas da sustentabilidade alimentar na formação de nutricionistas: desafios e oportunidades emergentes

  • Leticia Thais Horst uffs
  • Gabriele Gomes da Silva
  • LIDIANE LIESESKI
  • ROZANE MÁRCIA TRICHES
  • CAMILA ELIZANDRA ROSSI
Palavras-chave: Desenvolvimento Sustentável, Sistema Alimentar, Nutrição, Diretrizes

Resumo

1 Introdução


A discussão sobre as consequências do sistema alimentar na saúde humana e no meio ambiente tem ganhado cada vez mais relevância, sendo tema recorrente nas agendas globais que buscam unir sistemas alimentares com a sustentabilidade (Jacob, et al, 2020). Diante desse cenário, o principal desafio da política alimentar do século XXI é equilibrar a nutrição da população, mantendo o ecossistema funcional para as próximas gerações (Lang, et al, 2013; Marchioni, et al, 2021). A agenda 2030, centrada na saúde humana e na sustentabilidade ambiental, é um exemplo. Ela traz 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) interconectados, que visam a um futuro melhor e mais sustentável, buscando acabar com a pobreza, proteger o planeta, erradicar a fome e a subnutrição, vinculando a alimentação global, a segurança alimentar e os sistemas alimentares como fatores determinantes (ONU, 2024 GT AGENDA-2030, 2015).

Diante deste cenário, ressalta-se o papel da Ciência da Nutrição no enfrentamento destes desafios. O nutricionista é, e será cada vez mais, um dos protagonistas implicados na revisão dos sistemas alimentares (Fanzo, et al, 2015; Naves, et al, 2014). Desta forma, faz-se necessário pensar na formação de profissionais que possam atuar com conhecimento, habilidades e atitudes em políticas, pesquisas e prestações de serviço, visando à abordagem da sustentabilidade alimentar (Fanzo, et al, 2015).


2 Objetivos


O propósito deste trabalho foi analisar como são conformados os Cursos de Nutrição de Universidades Federais brasileiras, no que tange à formação sobre alimentação e sustentabilidade. Especificamente, buscou-se verificar a atualização, a existência de componentes curriculares e ementas relacionadas à temática, e como o curso possibilita a construção de competências para atuação dos profissionais, identificando o que descrevem sobre o perfil do egresso e se há dados sobre a formação docente neste sentido.


3 Metodologia


O presente estudo utilizou uma abordagem quantiqualitativa, focando nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) do Brasil que oferecem o curso de graduação em Nutrição. A investigação utilizou os Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPCs), que foram listados e buscados nas páginas eletrônicas dos cursos. Caso não estivessem disponíveis, eram solicitados por meio da contatação via e-mail com a coordenação do curso. Atualmente, existem 69 instituições federais (ANDIFES, 2024) de ensino superior no Brasil, das quais 42 ofertam o curso de Nutrição, sendo 5 na região Centro-Oeste, 11 na Nordeste, 4 na Norte, 14 na Sudeste e 8 na Sul.

A coleta de dados foi dividida em quatro tópicos principais: componentes curriculares; perfil do docente; perfil do egresso; e principais princípios norteadores. Em cada tópico, buscou-se os seguintes códigos/palavras chaves: sustent; ambi; sistema alimentar; segurança alimentar; soberania alimentar; insegurança alimentar; e desenvolvimento. Em seguida, os dados qualitativos foram tabulados e analisados por meio de análise de conteúdo, que facilita uma avaliação sistematizada e aprimora a compreensão, ao refinar os dados em categorias mais específicas, organizadas e relacionadas (Elo, et al, 2008).


4 Resultados e Discussão


Atingiu-se a totalidade da análise de Universidades Federais que disponibilizam o curso de Nutrição. Relativo à atualização, apenas três dos oito (37,50%) PPCs mais antigos (2006 a 2010) citam em algum dos tópicos o termo/palavra sustentabilidade. Nos elaborados entre 2011 a 2015, sete de nove (77,78%) fizeram menção. Entre aqueles dos anos de 2016 a 2020, dez de doze (83,33%) referiram a sustentabilidade em algum momento, e entre os mais atuais (2021 a 2025), do total de 13 PPCs, 12 (92,31%) citam a sustentabilidade no documento como um todo. Observa-se que, ao longo dos anos, houve mudança para mais nos percentuais de PPCs que ao menos consideraram a abordagem da sustentabilidade. Isto pode estar associado ao momento histórico, pois as discussões sobre desenvolvimento sustentável começaram a ganhar destaque nas últimas décadas do século XX. Antes desse período, a atenção estava voltada para o crescimento econômico e industrial, sem considerar os impactos ambientais no longo prazo (Triches, 2021).

Das 42 universidades, 25 (59,5%) ofertam pelo menos um componente curricular que faz menção ao desenvolvimento sustentável, seja em seu nome ou na sua ementa. Entretanto, em sua maioria, a abordagem é tratada especificamente em nutrição social e coletiva. Porém, para Preuss (2009) e Jeronimo (2015), a sustentabilidade deve permear todas as áreas de nutrição de forma não fragmentada, como foi observado nos PPCs. Estudos recentes mostram que o ensino de sustentabilidade em cursos de nutrição é limitado, como no estudo de Lopes (2020), que revela que, no Brasil, muitos graduandos e profissionais relatam a falta de abordagem sobre sustentabilidade em sua formação.

Em relação ao perfil do docente, 36 (85,71%) não se apresentavam no PPC, e 1 (2,38%) o incluía, mas sem nenhuma relação com desenvolvimento sustentável. A formação de profissionais em sustentabilidade depende de profissionais especializados. No trabalho de Borgonove (2022) foi observado poucos professores com essa formação, o que pode prejudicar o ensino.

Em relação aos princípios norteadores, observa-se que a maioria dos PPCs demonstra uma preocupação com a sustentabilidade. Contudo, em 35,71% não há qualquer menção ao termo. Em uma discussão brasileira, Prado et al (2011) apontam que desde o princípio, a estrutura dos cursos de nutrição tem sido focada no indivíduo, enfatizando seus aspectos biomédicos e negligenciando seus aspectos sociais. De forma semelhante, Teixeira (2021) constatou que poucos dos PPCs de universidades nordestinas incluíram a sustentabilidade em seus currículos, evidenciando a carência de educação ambiental nos cursos de nutrição e a urgente necessidade de reformulação dos PPCs, para que o tema seja tratado transversal e transdisciplinarmente.

No que concerne ao perfil do egresso, as 42 IFES incluem esse tópico em seus planos. Porém, apenas 13 (30,95%) mencionam o desenvolvimento sustentável como um aspecto a ser considerado na formação do nutricionista. Analisando as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) que norteiam a elaboração dos PPCs, é relevante observar que para o curso de Nutrição, as que estão vigentes até o momento são de 2001, e não apontam a obrigatoriedade de incluir a sustentabilidade nos projetos dos cursos. Os termos sustentável/sustentabilidade nem sequer aparecem nas diretrizes, e além disso, elas não abordam aspectos ambientais (BRASIL, 2001). Já nas discussões sobre as novas DCNs, há avanços nessa direção, destacando o direito humano à alimentação adequada e saudável e a importância de sistemas alimentares sustentáveis.

 

5 Conclusão


Conclui-se que as principais lacunas na formação de nutricionistas voltados para a sustentabilidade incluem os PPCs desatualizados, novos que não mencionam o tema, poucos componentes curriculares que abordam a questão, e falta tanto de professores com formação especializada quanto de princípios norteadores que reflitam uma epistemologia que dialogue com os desafios ambientais. Há que se considerar que as DCNs também necessitam de revisões sobre o tema, e, neste sentido, a proposta de sua atualização que ocorre no momento vem em certa medida reconhecendo a importância da sustentabilidade na formação do nutricionista, apresentando oportunidades para mudanças significativas.

Publicado
18-09-2024
Seção
Ciências da Saúde - Campus Realeza