OBTENÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DOS COMPOSTOS BIOATIVOS DO RESÍDUO DA PRODUÇÃO DE VINHO

Palavras-chave: Bagaço de uva; Compostos bioativos; Extração; Ultrassom; CFT

Resumo

1 Introdução

            O Brasil é o 14º maior produtor de vinho, com 3,6 milhões de hectolitros em 2021, que representa um aumento de 60% da produção devido à expansão do cultivo de uvas e das agroindústrias de vinhos (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DA VINHA E DO VINHO: OIV, 2022). A produção de vinho gera resíduos sólidos e líquidos, sendo o bagaço, que representa 20 a 30% da massa inicial de uvas, o principal subproduto (BERES et al., 2017). Os resíduos vinícolas, ricos em polifenóis das cascas e sementes, são uma fonte valiosa fonte para obtenção de diferentes produtos industriais (EMBRAPA, 2018). Diante disso, este estudo analisa a extração de compostos fenólicos do bagaço da uva por meio da técnica de extração assistida por ultrassom, e caracteriza os extratos em relação a quantidade de compostos fenólicos totais e seu perfil fenólico.

2 Objetivos

O objetivo desta pesquisa é investigar diferentes condições de extração por meio da técnica de ultrassom e caracterizar os compostos bioativos do resíduo da produção de vinho.

3 Metodologia

            Após a produção do vinho tinto, a vinícola Cantina do Tonico em Palmitos (SC), forneceu o bagaço de uva. Esse material, composto de cascas, sementes, e suco residual foi pasteurizado por 15 min a 70°C e seco por 72 horas a 50°C. Em seguida, foi triturado de forma a obter partículas com tamanhos iguais ou inferiores a 0,6 mm e armazenado em freezer em bolsas herméticas.

A distribuição do tamanho das partículas foi determinada com a utilização de um agitador eletromagnético e peneiras da série Taylor (9, 16, 30, 60 e 100 mesh), durante 15 min com uma potência de agitação de 80%. Antes e após o processo de trituração e secagem a umidade foi avaliada de acordo com a metodologia padrão descrita pela National Renewable Energy Laboratory (NREL) (SLUITER et al., 2005). No processo de extração dos compostos fenólicos totais (CFT) foi utilizado uma mistura de água destilada e etanol a 95% (proporção 1:1) em banho de ultrassom. Nesse processo foram utilizadas uma razão sólido-líquido de 20 g/L, uma temperatura de 50°C e uma potência do ultrassom de 100%, sendo testados tempos de extração de 0, 30, 60, 90 e 120 min. Após a extração, as amostras foram centrifugadas a 5.000 rpm por 10 min, filtradas e armazenadas em freezer a -18°C.

Para determinação do conteúdo fenólico total foi utilizado o método Folin-Ciocalteau, de acordo com a metodologia descrita por Carniel et al. (2017). O perfil fenólico foi determinado por meio de um Cromatógrafo Líquido acoplado a um detector de massas (HPLC-MS, Shimadzu) com fonte de ionização por electrospray (ESI (-/+)), conforme descrito por Arruda et al. (2018). As concentrações foram expressas em mg/L e, posteriormente, convertidas para mg/g de biomassa.

4 Resultados e Discussão

            4.1 Caracterização do resíduo de uva

A uniformidade do tamanho das partículas pode aumentar a área de contato entre a amostra e o solvente, intensificando a eficiência da extração. A porcentagem de biomassa retida nas peneiras com abertura de 9 (2 mm), 16 (1 mm), 30 (0,6 mm), 60 (0,297 mm) e 100 (0,15 mm) mesh são apresentados na Figura 1.

Figura 1 – Percentual do tamanho das partículas do resíduo de uva retido nas peneiras.

 imagem1.png

Conforme podemos observar na Figura 1, aproximadamente 73% das partículas ficaram retidas na malha de 0,297 mm (mesh 60). Além disso, as malhas de 0,6 mm (mesh 30) e 0,15 mm (mesh 100) concentram mais de 82% do bagaço de uva, sugerindo que o material é homogêneo, possivelmente devido às etapas anteriores de secagem e moagem. Neste sentido, visando padronizar o resíduo a ser utilizado no restante do trabalho, foi utilizado o material residual seco que passou da peneira de 30 mesh (≤ 0,60 mm), que representa 85,66% do total obtido.

Com relação ao teor de umidade, o resíduo recém-coletado na vinícola, ou seja, após a produção do vinho, apresentou um teor de umidade de 71,28% ± 0,65, enquanto que o resíduo que passou pela secagem preliminar e pela segregação para armazenagem em laboratório apresentou uma queda no valor de umidade (10,17% ± 0,20). Essa perda de umidade é importante, para que não ocorra a perda dos compostos bioativos presentes no resíduo.

            4.2 Extração dos compostos fenólicos por ultrassom

            O tempo de extração tem muita relevância no rendimento de extração dos compostos bioativos. Segundo Yingngam, Supaka e Rungseevijitprapa (2015), tempos curtos não permitem a penetração adequada do solvente e prejudicam a extração dos compostos desejados, no entanto, deve haver um equilíbrio, pois tempos longos podem levar à degradação desses compostos. Os resultados em termos do conteúdo fenólico total, referentes a cinética de extração (0, 30, 60, 90 e 120 min), realizada com uma razão sólido-líquido de 20 g/L a 50°C, estão representados na Tabela 1.

Tabela 1 – Conteúdo fenólico total (CFT) obtido a partir da cinética de extração.

Tempo (min)

CFT (mg Ácido Gálico/g resíduo)*

0

 13,82

30

 18,21

60

 23,58

90

 17,40

120

 17,07

*Letras diferentes indicam diferenças significativas de acordo com o teste de Tuckey (p < 0,05).

Conforme podemos observar, no tempo de 60 min de extração foi obtido o maior valor de CFT (23,58 ± 1,30 mg AG/g resíduo), sendo que os demais ensaios com tempos mais prolongados apresentaram rendimentos mais baixos. Nesses ensaios, provavelmente a exposição prolongada ao oxigênio fez com que a frequência do ultrassom e a temperatura resultassem na degradação dos compostos fenólicos extraídos. Com base no melhor resultado de CFT, foi decidido fixar o tempo de extração em 60 min.

            4.3 Perfil Cromatográfico do extrato do resíduo de uva em HPLC-MS

Conforme definido a partir dos testes de extração dos compostos fenólicos via ultrassom, o tempo de 60 min foi o que apresentou o valor de conteúdo fenólico total mais elevado (23,58 ± 1,30 mg AG/g resíduo), diante disso, foi realizada uma análise do perfil fenólico desse extrato, que está apresentada na Tabela 2.

Tabela 2 – Perfil fenólico do extrato obtido com um tempo reação de 60 min.

Composto

Concentração (mg/g biomassa)

Ácido p-cumárico

0,019

Ácido siríngico

 0,794

Ácido gálico

 0,021

Os compostos predominantes na amostra foram os ácidos. No entanto, quercetina, miricetina, kaempferol, ácido cafeico, epicatequina, pirocatecol e flavona não foram encontrados. Ainda não há uma avaliação completa do processo de extração, mas a análise de outros parâmetros pode resultar em um perfil cromatográfico mais completo e uma maior concentração de compostos bioativos.

5 Conclusão

            Os resíduos gerados pela produção de vinho são ricos em compostos fenólicos que podem ser extraídos por várias técnicas, incluindo a técnica de ultrassom. O tempo de extração foi determinado por meio de análise cinética, ajudando a identificar as condições ideais do tempo de processo a ser utilizado. As melhores condições encontradas foram para o tempo de 60 min, proporção água:etanol de 1:1, potência de ultrassom de 100% e temperatura de 50°C. A partir dessas condições foi obtido um extrato que apresentou um conteúdo fenólico total de 23,58 mg AG/g resíduo, e que possui três compostos fenólicos: ácido p-cumárico, ácido siríngico e ácido gálico como os principais bioativos. Diante disso, o trabalho se mostra promissor na busca de compostos bioativos de interesse para a indústria alimentícia e farmacêutica, e demostra a importância da realização da continuidade de estudos no tocante a esta área.

Referências Bibliográficas

ARRUDA, H. S. Determination of free, esterified, glycosylated and insoluble-bound phenolics composition in the edible part of araticum fruit (Annona crassiflora Mart.) and its by-products by HPLC-ESI-MS/MS. Food Chemistry. v. 245. p.738-749. 2018.

BERES, C.; COSTA, G. N. S.; CABEZUDO, I.; SILVA; JAMES, N. K.; TELES, A. S. C.; CRUZ, A. P. G.; MELLINGER-SILVA, C.; TONON, R. V.; CABRAL, L. M. C.; FREITAS, S. P. Towards integral utilization of grape pomace from winemaking process: a review. Waste Management. v. 68, p. 581-594, 2017.

CARNIEL, N. et al. Microwave-Assisted Extraction of Phenolic Acids and Flavonoids from Physalis angulata. Journal of Food Process Engineering, v. 40, n. 3, p. 1–11, 2017.

EMBRAPA. Tecnologias para o Aproveitamento Integral dos Resíduos da Indústria Vitivinícola. Dezembro, 2018.

OIV- International Organisation of Vine and Wine. State of the World Viti vinicultural, Sector in 2021. Abril, 2022.

SLUITER, A.; HAMES, B.; RUIZ, R.; SCARLATA, C.; SLUITER, J.; TEMPLETON, D. Determination of Total Solids in Biomass. National Renewable Energy Laboratory (NREL), 2005.

YINGNGAM, B.; SUPAKA, N.; RUNGSEEVIJITPRAPA, W. Optimization of process parameters for phenolics extraction of Cratoxylum formosum ssp. formosum leaves by response surface methodology. Journal of Food Science and Technology, p. 1-52, 2015.

Publicado
19-09-2024
Seção
Engenharias - Campus Chapecó