TREINAMENTO CONCORRENTE EM MULHERES COM DIABETES MELLITUS TIPO 2:

ANÁLISE DO ENVOLVIMENTO DA SINALIZAÇÃO PURINÉRGICA E DE PAR METROS INFLAMATÓRIOS

  • Paula Camara Lima Faria UFFS
  • Andre Campos de Lima UFFS
  • Lucas Macedo Chaves UFFS
  • Aline Mânica Unochapecó
  • Andréia Machado Cardoso UFFS
Palavras-chave: Sistema Purinérgico; Parâmetros inflamatórios; Diabetes Mellitus Tipo 2; Exercício Físico.

Resumo

1 Introdução

A Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) é uma doença crônica, de impacto mundial. No Brasil, a DM2 atinge cerca de 12,4 milhões de cidadãos, e o estado de Santa Catarina concentra 27,4% dos casos (BRASIL, 2020). Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2020) as mulheres são mais acometidas quando comparadas aos homens (9,9% e 7,8% respectivamente) e fatores biológicos naturais da mulher, além de um estilo de vida sedentário, influenciam no desenvolvimento de obesidade e resistência à insulina, favorecendo o surgimento do DM2.

A fisiopatologia do DM2 está intimamente relacionada com inflamação crônica de baixo grau (LONTCHI-YIMAGOU et al., 2013). Citocinas pró-inflamatórias como o fator de necrose tumoral (TNF-α), interferon-γ (INF-γ) e interleucina-6 (IL-6) estão normalmente aumentadas em pacientes com DM2 e são correlacionadas com a resistência insulínica e progressão da doença (VAN POPPEL et al., 2014). Os linfócitos T CD4+, do tipo T helper 1 (Th1) e T CD8+ são importantes sintetizadores dessas citocinas pró-inflamatórias, e mudanças de mediadores dessas células são um dos prováveis responsáveis pelo desbalanço na produção de citocinas (FOTINO; DAL BEN; ADINOLFI, 2018).

Uma das principais vias de modulação da síntese de citocinas pró inflamatórias, em linfócitos, acontece por meio da sinalização purinérgica, que pode desencadear alterações imunológicas tanto pró-inflamatórias, quanto anti-inflamatórias (JUNGER, 2011).

O controle metabólico do DM 2 é um viés importante para impedir a progressão da doença e o aumento da inflamação. Dessa forma, o exercício físico (EF) é um pilar essencial para o tratamento do DM2. Dentro seus diversos efeitos relacionados ao controle metabólico no DM2, o EF atua na redução da glicemia, da resistência à insulina e da obesidade, além de produzir um efeito anti-inflamatório, que está relacionado à modulação da sinalização purinérgica (LAMMERS et al., 2020). Nessa perspectiva, o treinamento concorrente (TC) é caracterizado pela combinação de exercícios aeróbicos e de força, sendo benéfico em controle de variáveis bioquímicas, controle glicêmico e aumento de força (FLECK; KRAEMER, 2017).

É válido ressaltar que não existem estudos prévios sobre os efeitos crônicos que o EF acarreta e exerce sobre o sistema purinérgico em linfócitos de pessoas com DM2. Assim sendo, é relevante entender os efeitos que o TC exerce sobre a atividade das enzimas do sistema purinérgico em linfócitos e sobre marcadores inflamatórios em mulheres com DM2.

2 Objetivos

Analisar o efeito do treinamento concorrente sobre a atividade das enzimas do sistema purinérgico em linfócitos, sobre marcadores inflamatórios, e avaliar composição corporal, força muscular, estimativa cardiorrespiratória, parâmetros hemodinâmicos e glicêmicos em mulheres com DM2 e mulheres saudáveis.

3 Metodologia

A pesquisa caracteriza-se com um estudo experimental quantitativo. A amostra do estudo foi composta por mulheres sedentárias com idades compreendidas entre 35 e 65 anos com DM2 no grupo diabético (GD), e mulheres sedentárias na mesma faixa etária sem diabetes no grupo controle (GC). Os critérios de exclusão para ambos os grupos foram: praticar EF orientado ou não concomitantemente com o estipulado no presente estudo; fazer alteração em seus hábitos alimentares; fazer uso de medicamentos que possam interferir nos resultados do estudo; ser portadora de outra patologia crônica ou aguda além do DM2. Foram selecionadas 44 pacientes, GD (n=21) e GC (n=23). Para efetivar a participação na pesquisa era necessário assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Todos os procedimentos realizados durante a pesquisa foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UFFS, sob parecer número 4.598.914.

Em ambos os grupos foram realizadas coletas de sangue periférico pré e pós o período de treinamento para análises bioquímicas. 

Foram realizadas no período pré e pós treinamento: avaliação antropométrica para calcular o índice de massa corporal (IMC), o índice de tecido adiposo visceral (TAV), e o tecido adiposo corporal em Kg; avaliação de força funcional através do teste de sentar e levantar; avaliação de força de preensão manual, avaliação do equilíbrio e mobilidade funcional através do teste “time up and go”; avaliação cardiorrespiratória feita a partir do “Shuttle walking test" para calcular o VO2máx estimado. Ademais, parâmetros hemodinâmicos como pressão arterial, frequência cardíaca (FC), glicemia capilar e HbA1c foram mensurados. 

As pacientes passaram por um protocolo de intervenção de exercício concorrente, que consiste que consiste na combinação de exercícios aeróbicos e de força. O protocolo tem duração de 16 semanas, ocorrendo em 2 dias não consecutivos de acordo com a disponibilidade da voluntária, cada sessão teve duração de 50 minutos. Após o protocolo de intervenção, todos os parâmetros da avaliação inicial foram reavaliados para posterior comparação estatística utilizando o teste da ANOVA de duas vias. O nível de significância foi estabelecido em p<0,05 e todas as análises estatísticas foram realizadas no programa GraphPad Prism 8.0.1

4 Resultados e Discussão

Os resultados do estudo estão compilados na Tabela 01.

Tabela 1- Resultados

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Na avaliação hemodinâmica foi observado redução na PAS em ambos os grupos no período pós exercício. Nessa lógica, a literatura traz que quando há uma descompensação do DM 2, alterações em níveis pressóricos ocorrem, muitas vezes desencadeando hipertensão, sendo este um fator bem estabelecido, tanto para a doença coronariana quanto para o AVC (MANCUSI et al., 2020).

 A glicemia de jejum teve uma redução estatisticamente significativa no GD no período pós exercício. Tais achados mostram que o EF é um importante fator para o tratamento de DM2. O estudo corrobora com a literatura, que mostra efeitos positivos exercidos pelo aumento da sensibilidade insulínica, devido à contração muscular promovida pelo EF (SAMPATH KUMAR et al., 2019).

Quanto aos testes físicos e funcionais, na variável de força de preensão manual, é possível notar que houve um aumento no GD. Em relação à força funcional houve um aumento em ambos os grupos. Esses achados, vêm de encontro com o que López-Jaramillo e colaboradores (2014) observaram, relatando que indivíduos com DM2, com uma a maior força de preensão muscular, houve uma menor incidência de morte cardiovascular e maior controle da doença.

Na avaliação da mobilidade e equilíbrio funcional é possível observar que as participantes melhoraram essas variáveis com o treinamento. A melhora dessa variável – principalmente a partir da quarta década de vida – é um importante fator para diminuir o risco de quedas, sobretudo se considerarmos a falta de força em membros inferiores presente em pessoas com DM2, associada a uma diminuição do equilíbrio (ALEXANDRE et al. 2012).

Quanto aos parâmetros inflamatórios e atividade enzimática, foi observado uma redução estatisticamente significativa na atividade enzimática da E-NTPDase ATP e da E-NTPDase ADP em ambos os grupos após o período de TC. A atividade enzimática de ADA teve uma redução significativa apenas no GD após o TC. 

Os resultados deste estudo sugerem que a modulação do sistema purinérgico é um dos mecanismos pelos quais o exercício físico exerce suas propriedades anti-inflamatórias, e auxilia no tratamento de DM2. Nessa perspectiva, os achados desta pesquisa corroboram que a atividade da E-NTPDase responde à concentração do ATP extracelular. Associado a isso, o estudo de Lunkes et al (2003) mostrou que, na DM2, a concentração de ATP e a atividade da E-NTPDase estão diretamente ligadas aos níveis de glicose elevada no sangue. Os resultados desta pesquisa reforçam essa afirmação, uma vez que foi observado uma correlação positiva no GD entre a atividade de E-NTPDase, tanto para ATP como ADP, com a glicemia. 

Acerca do perfil inflamatório, foi encontrado uma correlação inversa entre a atividade da E-NTPDase para ATP com os níveis de IL-4 e IL-10 no GD, ou seja, quanto maior a atividade da E-NTPDase para ATP, menor era a síntese das moléculas anti-inflamatórias. Os achados corroboram com a literatura (CEKIC; LINDEN, 2016; FERRARI et al., 2016), pois, o aumento do ATP extracelular e a atividade enzimática influenciam a ação dos linfócitos, induzindo uma resposta pró-inflamatória, com uma maior produção de citocinas pró-inflamatórias e uma menor síntese de citocinas anti-inflamatórias. Outro achado importante observado, é uma correlação positiva de ADA e IL-10, uma vez que a adenosina estimula a liberação de IL-10 por linfócitos T, atuando como molécula anti-inflamatória (ANTONIOLI et al., 2019).

Em relação às citocinas pró-inflamatórias, foi observado que o ATP atua como DAMP, estimulando células imunes a sintetizar mais citocinas pró-inflamatórias (JUNGER, 2011). O GD, no período pré, possuía níveis aumentados de TNF-α, IFN-γ e IL-6, com uma correlação positiva entre IL-6 com as demais moléculas pró-inflamatórias, inclusive ATP. Paralelo a isso, foi observado no presente estudo que, além da alteração das citocinas pró-inflamatórias, as atividades de E-NTPDase e de ADA, atuam como ponto de controle, determinando se o ambiente extracelular é pró ou anti-inflamatório (PEREIRA et al., 2018).

Ambos os grupos mostraram um aumento na concentração plasmática de IL-10 e IL-4, com uma correlação positiva em ambos os grupos. Com estas alterações, é possível dizer que o TC foi capaz de reduzir a inflamação, e aumentar a ação anti-inflamatória, provando o efeito imunomodulador e adaptativo do EF crônico. Tal achado é consoante ao estudo de SANCHES et al., 2018, que utilizou modelos animais, e observou um aumento de IL-10 e a diminuição de TNF-α no grupo diabético que realizou exercícios, quando comparado ao grupo diabético ao que não realizou EF.

5 Conclusão

É possível concluir que o TC promoveu uma modulação enzimática que regula os níveis de nucleotídeos no meio extracelular e em linfócitos; favoreceu um ambiente anti-inflamatório, diminuindo a quantidade de citocinas pró-inflamatórias, como TNF-α e IFN-γ, e aumentando a concentração de citocinas anti-inflamatórias, como IL-10 e IL-4. Ademais, ocorreu uma redução da glicemia, e os componentes de capacidade física, capacidade cardiorrespiratória e PAS melhoraram. 

Tais achados comprovam que o método de treinamento aplicado é um importante mecanismo terapêutico para DM2, além de modular o sistema purinérgico e o perfil inflamatório nas mulheres abordadas neste estudo.

Referências Bibliográficas

 

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ANTONIOLI, Luca. et al. The Purinergic System as a Pharmacological Target for the Treatment of Immune-Mediated Inflammatory Diseases. Pharmacological Reviews, v. 71, n. 3, p. 345-382, Jul. 2019.

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CEKIC, Caglar; LINDEN, Joel. Purinergic regulation of the immune system. Nature Reviews Immunology, v. 16, n. 3, p. 177–192, mar. 2016.

FERRARI, Davide et al. Purinergic Signaling During Immune Cell Trafficking. Trends in Immunology, v. 37, n. 6, p. 399–411, jun. 2016.

FLECK, Steven T.KRAEMER, William J. Fundamentos do treinamento de força muscular. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.

FOTINO, Carmen; DAL BEN, Diego; ADINOLFI, Elena. Emerging Roles of Purinergic Signaling in Diabetes. Medicinal Chemistry, v. 14, n. 5, p. 428–438, 6 jul. 2018.

JUNGER, Wolfgang G. Immune cell regulation by autocrine purinergic signalling. Nature Reviews Immunology, v. 11, n. 3, p. 201–212, mar. 2011.

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LUNKES, Gilberto Inácio et al. Enzymes that hydrolyze adenine nucleotides in diabetes and associated pathologies. Thrombosis Research, v. 109, n. 4, p. 189–194, fev. 2003.

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VAN POPPEL, Pleun C. M. et al. The interleukin-1 receptor antagonist anakinra improves first-phase insulin secretion and insulinogenic index in subjects with impaired glucose tolerance. Diabetes, Obesity and Metabolism, v. 16, n. 12, p. 1269-1273, Dez. 2014.

 

Palavras-chave: Sistema Purinérgico; Parâmetros inflamatórios; Diabetes Mellitus Tipo 2; Exercício Físico.

 

Nº de Registro no sistema Prisma: PES-2022-0125                                                                                           

 

Financiamento: Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS)

Publicado
03-10-2023