PREVALÊNCIA DE SINAIS E SINTOMAS PERSISTENTES EM PACIENTES PÓS COVID-19 DE UM MUNICÍPIO DO NORTE DO RIO GRANDE DO SUL

  • Lucas Dalla Maria Universidade Federal da Fronteira Sul
  • Renata dos Santos Rabello
  • Jossimara Polettini
  • Shana Ginar da Silva
  • Ivana Loraine Lindemann
Palavras-chave: Síndrome Pós-COVID-19 Aguda; COVID Longa; SARS-CoV-2; Pandemia COVID-19; Epidemiologia Clínica.

Resumo

1 Introdução

Em dezembro de 2019, surgiu uma pneumonia de origem desconhecida em Wuhan, na China. Após o sequenciamento genético do agente viral, identificou-se a espécie denominada Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2), responsável pela transmissão da Coronavirus disease - COVID-19 (SOHRABI et al., 2020). Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou pandemia devido ao alto poder de transmissibilidade e à rápida disseminação geográfica do SARS-CoV-2 (HUANG et al., 2020). Até julho de 2023 foram registrados mais de 769 milhões de casos de COVID-19 em 210 países, resultando em, aproximadamente, 7 milhões de mortes, enquanto no Brasil, foram notificados mais de 37 milhões de casos e cerca de 704 mil mortes (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2023). No contexto local, os boletins epidemiológicos de Passo Fundo, Rio Grande do Sul, revelaram a ocorrência de mais de 74 mil casos e de 831 óbitos no mesmo período (PREFEITURA MUNICIPAL DE PASSO FUNDO, 2023).

A partir da observação do curso da doença, o Consenso de Delphi, organizado pela OMS, definiu a condição de pós COVID-19 como o quadro clínico persistente em indivíduos com histórico confirmado ou suspeito da doença, sem a possibilidade de atribuição da sintomatologia a outras condições de saúde e com duração superior a dois meses (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2021). Entretanto, apesar dos esforços internacionais e do fim da pandemia decretado em maio de 2023, o completo entendimento da fisiopatologia da COVID-19 e de suas consequências a longo prazo permanece um desafio à saúde pública mundial.


 

2 Objetivos

Descrever a prevalência geral e específica de sinais e sintomas persistentes em pacientes submetidos à internação hospitalar em decorrência da COVID-19. Além disso, caracterizar aspectos sociodemográficos, comportamentais e de saúde dos pacientes, bem como verificar a distribuição da prevalência geral de sinais e sintomas persistentes de acordo com fatores preditores.

 

3 Metodologia

Estudo epidemiológico transversal realizado em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, no período de setembro de 2022 a agosto de 2023, como um recorte da pesquisa intitulada “Análise da situação de saúde pós COVID-19 no sul do Brasil” institucionalizada na Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) e aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos (CEP-UFFS) sob parecer nº 5.453.565.

Foram considerados elegíveis os indivíduos que estiveram internados e receberam alta hospitalar no período de 01 de setembro de 2021 a 30 de setembro de 2022 com diagnóstico confirmado de COVID-19, residentes na zona urbana do município, de ambos os sexos e com idade igual ou superior a 18 anos e excluídos aqueles que apresentaram qualquer deficiência cognitivo-funcional que impossibilitasse a coleta de dados. Após aprovação ética, a relação dos potenciais participantes, a partir dos dados das notificações compulsórias, foi solicitada à Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do município, totalizando 395 elegíveis. O convite foi realizado por meio de contato telefônico e, em caso de concordância, foi agendada uma visita domiciliar em até 12 meses após a alta hospitalar. Todas as orientações preconizadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) foram respeitadas e todos os avaliadores foram treinados para aplicação do questionário.

O instrumento de coleta de dados foi composto por um questionário digital desenvolvido para o próprio estudo e implementado na plataforma Research Electronic Data Capture (REDCap). Neste recorte, analisaram-se algumas das variáveis sociodemográficas, comportamentais e de saúde, enquanto que a variável dependente foi a persistência de seis ou mais sinais e sintomas, considerando a sintomatologia iniciada após a internação e mantida por até 12 meses após a alta hospitalar. Concluída a coleta, os dados foram exportados do REDCap (distribuição livre) para o PSPP (distribuição livre) para análise estatística. Para as variáveis numéricas foram estimadas a média e o desvio-padrão, enquanto que para as categóricas foram descritas as frequências absolutas (n) e relativas (%). Também foi verificada a prevalência geral e específica dos sinais e sintomas persistentes com intervalo de confiança de 95% (IC95). Ainda, a distribuição da prevalência geral de sinais e sintomas persistentes de acordo com fatores preditores foi avaliada por meio do teste do qui-quadrado de Pearson (ou exato de Fisher), admitindo 5% de erro tipo I.

 

4 Resultados e Discussão

A partir da relação dos pacientes elegíveis, foram registradas 177 perdas (44,8%) e 56 recusas (14,2%) e assim, a amostra final foi composta por 162 participantes, sendo que a coleta de dados foi realizada, em média, em até 10,6 meses após a alta hospitalar. Observou-se predomínio do sexo feminino (53,1%), idade igual ou superior a 60 anos (67,9%; média 64,0 ± 14,9), cor de pele branca (71,0%), indivíduos com cônjuge (58,0%) e ensino fundamental (47,5%), sem atividade remunerada (75,3%) e não tabagistas (58,4%), e a metade relatou ingestão de bebida alcoólica. Em relação à saúde antes da internação, 71,6% a auto percebiam como positiva, embora 84,7% apresentassem multimorbidade (presença simultânea de duas ou mais doenças crônicas não transmissíveis), com destaque para a hipertensão arterial sistêmica (59,9%), doenças cardíacas (38,9%), hipercolesterolemia (37,0%), obesidade (37,0%), diabetes (34,6%), hipertrigliceridemia (30,2%), transtorno mental (28,0%), trombose (25,3%), doença respiratória (24,4%) e sarcopenia (24,1%).

Ainda, 84,0% mencionaram vacinação contra a COVID-19 de, pelo menos uma dose, previamente à internação. A maioria ficou internada no hospital por até sete dias (54,4%; média 48,4 ± 29,3), 29,0% ficaram até cinco dias na unidade de terapia intensiva (UTI; média 23,9 ± 17,6 dias); 81,2% necessitaram de oxigenoterapia e 8,1% de ventilação mecânica.

A presença simultânea de seis ou mais sinais e sintomas persistentes foi referida por 46% (IC95 38-53) da amostra, sendo fadiga em 80% (IC95 74-86), dor osteomioarticular 58% (IC95 50-66), dispneia 57% (IC95 50-65), perda de memória 55% (IC95 48-63), tosse 47% (IC95 39-55), alteração do sono 44% (IC95 36-52), mudança comportamental e emocional 37% (IC95 29-44), mudança de humor 33% (IC95 25-40), perda de olfato e paladar 33% (IC95 25-40), cefaleia 31% (IC95 24-38) e dor precordial 21% (IC95 15-28). Observaram-se maiores prevalências do desfecho em mulheres (53,0%; p=0,048), em indivíduos com diagnóstico autorreferido de transtornos mentais (63,6%; p=0,004) e sarcopenia (63,2%; p=0,012), bem como hospitalizados em UTI (64,5%; p=0,018) e em uso de oxigenoterapia durante a internação (52,0%; p=0,002).

Das manifestações clínicas analisadas, a fadiga, a dor osteomioarticular, a dispneia e a perda de memória exibiram as maiores prevalências, as quais, segundo a literatura, variam da seguinte forma: fadiga entre 21,2 e 84,8%; dispneia entre 14,5 e 43,0% e dor osteomioarticular entre 45,1 e 77,3% (LOPEZ-LEON et al., 2021; ALKODAYMI et al., 2022; FERNÁNDEZ-DE-LAS-PEÑAS et al., 2021; CARES-MARAMBIO et al., 2021). A relação entre o sexo feminino e a persistência de seis ou mais sinais e sintomas no período pós-infecção também é ratificada por resultados de estudos anteriores (WU et al., 2021), sendo explicada, possivelmente, pela maior letalidade entre os homens na fase aguda (SAHU et al., 2021).

A maior prevalência do desfecho entre aqueles com diagnóstico autorreferido de transtornos mentais foi previamente descrita em um estudo longitudinal egípcio, no qual sugeriu-se que a sintomatologia persistente é uma sequela tardia da infecção ou, ainda, efeito indireto das mudanças socioculturais vivenciadas durante a pandemia (ABDELRAHMAN, ABD-ELRAHMAN E BAKHEET, 2021). Da mesma forma, a relação positiva entre a necessidade de cuidados intensivos e a sintomatologia no período após o quadro agudo foi previamente apresentada por outros pesquisadores (QAMAR et al., 2022; ALKODAYMI et al., 2022; HEESAKKERS et al., 2022).

No presente estudo, as comorbidades prévias investigadas não apresentaram relação estatisticamente significativa com o desfecho, exceto os transtornos mentais e a sarcopenia, ao passo em que foram observadas diferenças quanto à gravidade do quadro agudo, como hospitalização em UTI e oxigenoterapia, reiterando o forte impacto do quadro agudo na persistência da sintomatologia em detrimento das comorbidades prévias (LIMA et al., 2023).

Por fim, é preciso salientar que os resultados são passíveis da influência de vieses de seleção, como o viés de não-respondentes e o viés de sobrevivência seletiva, e de vieses de informação, como viés de memória, evidenciando as principais limitações do estudo proposto.

 

5 Conclusão

A elevada prevalência de sinais e sintomas persistentes em pacientes pós COVID-19, especialmente em mulheres, com saúde mental comprometida, sarcopenia e quadro agudo grave, evidencia o complexo horizonte ainda enfrentado pela sociedade no período pós-pandêmico. Além disso, os resultados obtidos reforçam a importância do manejo humanizado do pós COVID-19 e de medidas de prevenção em saúde, em todos os níveis, mas especialmente com foco na reabilitação funcional e na recuperação do bem-estar do indivíduo biopsicossocial em suas múltiplas dimensões.

 

Referências Bibliográficas

ABDELRAHMAN, M. M.; ABD-ELRAHMAN, N. M.; BAKHEET, T. M. Persistence of symptoms after improvement of acute COVID19 infection, a longitudinal study. Journal of medical virology, v. 93, n. 10, p. 5942-5946, 2021.

ALKODAYMI, M. S. et al. Prevalence of post-acute COVID-19 syndrome symptoms at different follow-up periods: a systematic review and meta-analysis. Clinical Microbiology and Infection, v. 28, n. 5, p. 657-666, 2022.

CARES-MARAMBIO, K. et al. Prevalence of potential respiratory symptoms in survivors of hospital admission after coronavirus disease 2019 (COVID-19): a systematic review and meta-analysis. Chronic respiratory disease, v. 18, p. 14799731211002240, 2021.

FERNÁNDEZ-DE-LAS-PEÑAS, C. et al. Prevalence of post-COVID-19 symptoms in hospitalized and non-hospitalized COVID-19 survivors: A systematic review and meta-analysis. European journal of internal medicine, v. 92, p. 55-70, 2021.

HEESAKKERS, H. et al. Clinical outcomes among patients with 1-year survival following intensive care unit treatment for COVID-19. Jama, v. 327, n. 6, p. 559-565, 2022.

HUANG, C. et al. Clinical features of patients infected with 2019 novel coronavirus in Wuhan, China. The Lancet, v. 395, n. 10223, p. 497-506, 2020.

LIMA, G. M. et al. Sintomas persistentes após COVID-19: revisão sistemática e estudo transversal. 2023.

LOPEZ-LEON, S. et al. More than 50 long-term effects of COVID-19: a systematic review and meta-analysis. Scientific reports, v. 11, n. 1, p. 16144, 2021.

PREFEITURA MUNICIPAL DE PASSO FUNDO. Boletim COVID-19. Disponível em: pmpf.rs.gov.br/prevencao-do-coronavirus/boletim-semanal-coronavirus/. Acesso em: 17 agp/ 2023.

QAMAR, M. A. et al. Residual symptoms and the quality of life in individuals recovered from COVID-19 infection: a survey from Pakistan. Annals of Medicine and Surgery, v. 75, p. 103361, 2022.

SAHU, A. K. et al. Clinical determinants of severe COVID-19 disease-A systematic review and meta-analysis. J Glob Infect Dis, v.13, p.13-19, 2021.

SOHRABI, C. et al. World Health Organization declares global emergency: A review of the 2019 novel coronavirus (COVID-19). International journal of surgery, v. 76, p. 71-76, 2020.

WORLD HEALTH ORGANIZATION et al. A clinical case definition of post COVID-19 condition by a Delphi consensus, 6 October 2021. World Health Organization, 2021.

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Dashboard Coronavirus (COVID-19). Disponível em: covid19.who.int/. Acesso em: 17 ago. 2023.

WU, L. et al. Persistence of symptoms after discharge of patients hospitalized due to COVID- 19. Frontiers in medicine, v. 8, p. 761314, 2021.

 

Palavras-chave: Síndrome Pós-COVID-19 Aguda; COVID Longa; SARS-CoV-2; Pandemia COVID-19; Epidemiologia Clínica.

 

Nº de Registro no sistema Prisma: PES 2022-0254

 

Financiamento: Edital CNPq - PIBIC 902/GR/UFFS/2022

Publicado
28-09-2023