ISOLAMENTO E CARACTERIZAÇÃO DA FRAÇÃO DE CELULOSE OBTIDA A PARTIR DA BIOMASSA DE MILHETO PÉROLA (Pennisetum glaucum)

  • Luísa Peruchi Morandini Universidade Federal da Fronteira Sul
  • Aline Perin Dresh
  • Guilherme Martinez Mibielli
  • João Paulo Bender
Palavras-chave: Pré-tratamento alcalino-ácido. Milheto Pérola. Valoração de resíduos.

Resumo

1 Introdução

A necessidade de atenuar a emissão de gases poluentes, garantir segurança energética e promover o desenvolvimento sustentável tem proporcionado a investigação de novas fontes de matérias-primas para substituir as fósseis, especialmente aquelas provenientes de biomassa (Salve, 2020). Nesse contexto, a biomassa de milheto pérola tem ganhado destaque devido à sua adaptabilidade a diversas condições climáticas e sua elevada produtividade (Dias-Martins et al., 2018).

As biomassas lignocelulósicas são compostas majoritariamente por celulose, hemicelulose e lignina (Verdini et al., 2021). No entanto, para isolar esses compostos visando sua posterior aplicação em subprodutos, faz-se necessário realizar ensaios de pré-tratamento, de forma a quebrar a complexa estrutura da matriz celular da planta (Das et al., 2019). Dentre os três compostos, a celulose se destaca, devido a sua diversa gama de aplicações com elevado valor agregado, como reforço de materiais poliméricos, cosméticos e produtos químicos, por exemplo (Lenhani et al., 2021). Diante do exposto, esse trabalho reporta a realização de diferentes tratamentos químicos na biomassa de milheto pérola visando o isolamento total da fração de celulose.

2 Objetivos

Isolar a fração de celulose da biomassa de milheto pérola (Pennisetum glaucum) por meio da realização de pré-tratamentos alcalinos-ácidos de forma sequencial.

3 Metodologia

O milheto pérola foi colhido na área experimental da Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Chapecó, Brasil. A biomassa foi seca em estufa a 60 °C por 48 horas e moída para obter partículas de 0,6 mm de diâmetro máximo. De forma a isolar a celulose da biomassa de milheto pérola, foram realizados cinco testes de pré-tratamento de acordo com a metodologia descrita por Lenhani et al. (2021), com modificações, conforme descritas a seguir.

Nos testes 1 e 2, denominados de OA 3,8% e OA 5%, a biomassa de milheto foi tratada utilizando duas concentrações de ácido oxálico, 3,8% e 5% (m/v), em agitador mecânico, respectivamente. Para ambas as concentrações (testes 1 e 2), foram realizadas primeiramente duas extrações alcalinas com hidróxido de sódio (NaOH) (4% m/v), utilizando uma razão sólido-líquido de 1:10 (m/v) a 80 °C e 1200 rpm por 4 horas. Entre as extrações, a amostra foi filtrada a vácuo em funil de büchner utilizando o tecido VOAL, ressuspendida com água destilada, neutralizada com ácido acético (CH3COOH) 3% (v/v) e filtrada novamente. Após o tratamento alcalino, a biomassa remanescente foi submetida ao pré-tratamento ácido, em concentrações ácido oxálico de 3,8% e 5%, respectivamente, a 80 °C e 1200 rpm por 2 horas. Ao fim do tratamento, a celulose isolada foi filtrada, ressuspendida com água destilada, neutralizada com NaOH 12% (m/v), filtrada e seca em estufa a 60 °C por 24 horas para posterior caracterização físico-química.

Os demais pré-tratamentos, teste 3 (denominado de ATA 4%) teste 4 (OAA 5%) e teste 5 (SAA 1%), foram realizados em autoclave, utilizando os agentes químicos de hidróxido de sódio (4% m/v), ácido oxálico (5% m/v) e ácido sulfúrico (H2SO4) (1% v/v). Cada um dos agentes químicos passou por duas extrações alcalinas com NaOH (4% m/v), descrita anteriormente, e por uma extração em autoclave a 1,4 bar e 125,6 °C por 2 horas. A celulose resultante desses pré-tratamentos foram ressuspendidas em água destilada, neutralizadas com NaOH 12% (m/v) – para os ensaios OAA 5% e SAA 1% - e com CH3COOH – para o ensaio ATA 4% -, filtradas e secas a 60 °C por 24 horas para caracterização físico-química.

O milheto pérola e a celulose isolada foram caracterizadas em termos dos teores de umidade, cinzas, extrativos, lignina total, celulose e hemicelulose, de acordo o método descrito pela National Renewable Energy Laboratory (SLUITER et al., 2012). A análise de Espectroscopia no Infravermelho por Transformada de Fourier (FTIR) foi realizada para o ensaio que apresentou o melhor resultado em termos do isolamento da celulose por meio de um espectrofotômetro equipado com acessório de refletância total atenuada (FTIR-ATR IRTrace-100, Shimadzu), de acordo com a metodologia descrita por Lenhani et al. (2021).

4 Resultados e Discussão

A composição físico-química da biomassa de milheto pérola, em termos de cinzas, extrativos, lignina total, celulose e hemicelulose em base seca são apresentados na Tabela 1, sendo os resultados de acordo com os reportados na literatura (Yadav; Rengasamy; Gupta, 2019).

Tabela 1 – Caracterização da biomassa de milheto pérola em base seca.

Cinzas

Extrativos

Lignina Total

Celulose

Hemicelulose

3,03 ± 0,26

15,39 ± 0,09

18,55 ± 0,65

43,89 ± 2,62

21,08 ± 1,31

Na Figura 1 são apresentados os resultados em termos da composição físico-química da celulose isolada após a realização dos tratamentos alcalinos-ácidos.

Figura 1 – Conteúdo de lignina-polissacarídeos para os diferentes tratamentos ácidos-alcalinos realizados.Figura_1.png

(*): Os resultados são expressos em média ± desvio padrão;

Conforme mostra a Figura 1, os tratamentos alcalinos-ácidos OAA 5% e SAA 1% realizados em autoclave solubilizaram 99,86% e 100% da hemicelulose presente na matriz lignocelulósica. No entanto, o ensaio com ácido oxálico (OAA 5%) apresentou um melhor desempenho, devido à menor perda de celulose (22,65%) em comparação com o teste realizado com ácido sulfúrico (SAA 1%), de 26%. O tratamento com NaOH (ATA 4%) apresentou um valor remanescente de hemicelulose de 11,06%, solubilizando apenas 79,48% da hemicelulose presente na biomassa de capim elefante ao fim do tratamento. Isso corrobora com a literatura, indicando que ácidos diluídos são mais eficazes na degradação da hemicelulose quando comparados aos tratamentos alcalinos.

Na Figura 2 é apresentado o espectro de infravermelho para as principais bandas de absorção encontradas na amostra de celulose isolada a partir do pré-tratamento OAA 5%.

Figura 2 - Espectro de FTIR-ATR do pré-tratamento alcalino-ácido em autoclave realizado com ácido oxálico (OAA 5%).Figura-2.png

 Conforme mostra a Figura 2, o intervalo entre as bandas 3500 e 3000 cm-1 se tornou mais reduzida, essas bandas são atribuídas ao estiramento dos grupos hidroxilas OH, dessa forma, isso nos sugere uma ruptura das ligações de hidrogênio intermoleculares na lignina (DAS et al., 2019). Para a molécula de hemicelulose, uma das bandas que a representa é a 1730 cm-1, a qual corresponde ao grupo acetil e ester urônico da hemicelulose (Horikawa et al., 2019). Na imagem, podemos observar uma diminuição da mesma após o tratamento com o ácido oxálico, indicando a remoção desse componente. Em termos da celulose, observa-se o aparecimento dos picos referentes as bandas 1317, 1150 e 1100 cm-1, evidenciando assim o processo de isolamento da fração de celulose da biomassa de milheto pérola.

5 Conclusão

A celulose foi isolada do milheto pérola através do pré-tratamento alcalino-ácido que possibilitou solubilizar 100% da lignina e 99,86% da hemicelulose, bem como recuperar 77,35% da celulose presente na matriz lignocelulósica ao fim do tratamento. Além disso, com o auxílio da análise de FTIR, foi possível confirmar a remoção da lignina e da hemicelulose, bem como o incremento da celulose presente no material lignocelulósico após a realização do pré-tratamento OAA 5%.  Dessa forma, conclui-se que a celulose pode ser isolada do milheto pérola a partir da realização de pré-tratamentos alcalinos-ácidos, de forma a possibilitar sua futura utilização na produção de produtos de elevado valor agregado.

Referências Bibliográficas

CHEN, Y. W. et al. Production of new cellulose nanomaterial from red algae marine biomass Gelidium elegans. Carbohydrate Polymers, v. 151, p. 1210–1219, 2016.

DAS, P. et al. Effects of one-step alkaline and two-step alkaline/dilute acid and alkaline/steam explosion pretreatments on the structure of isolated pine lignin. Biomass and Bioenergy, v. 120, n. December 2018, p. 350–358, 2019.

DIAS-MARTINS, A. M. et al. Potential use of pearl millet (Pennisetum glaucum (L.) R. Br.) in Brazil: Food security, processing, health benefits and nutritional products. Food Research International, v. 109, n. December 2017, p. 175–186, 2018.

HORIKAWA, Y. et al. Prediction of Lignin Contents from Infrared Spectroscopy: Chemical Digestion and Lignin/Biomass Ratios of Cryptomeria japonica. Applied Biochemistry and Biotechnology, v. 188, n. 4, p. 1066–1076, 2019.

LENHANI, G. C. et al. Application of Corn Fibers from Harvest Residues in Biocomposite Films. Journal of Polymers and the Environment, n. 0123456789, 2021.

SALVE, A. P. Universidade Federal de São Carlos Centro de Ciências Exatas e Tecnologia Departamento de Engenharia Química. Métodos de Extração e Aproveitamento da Lignina Proveniente de Biomassa Vegetal. 2020.

SLUITER, A. et al. Determination of structural carbohydrates and lignin in Biomass - NREL/TP-510-42618. Laboratory Analytical Procedure (LAP), n. April 2008, p. 17, 2012.

VERDINI, F. et al. Cellulose recovery from agri-food residues by effective cavitational treatments. Applied Sciences (Switzerland), v. 11, n. 10, 2021.

YADAV, M.; RENGASAMY, R. S.; GUPTA, D. Characterization of Pearl Millet (Pennisetum glaucum) waste. Carbohydrate Polymers, v. 212, n. December 2018, p. 160–168, 2019.

 

Publicado
28-09-2023