PESQUISA DE MICOPLASMA E UREAPLASMA EM TECIDOS PLACENTÁRIOS

  • Rafaela Camelo UFFS
  • Roberta Klering
  • Jossimara Polettini
  • Daniela Augustin Silveira
Palavras-chave: Mycoplasma hominis. Reação em Cadeia da Polimerase. Gestação. Prematuridade.

Resumo

 

1 Introdução

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a taxa de prematuridade no mundo é de 15 milhões/ano (OMS, 2012), sendo este um problema mundial de saúde pública. Entre as causas multifatoriais de trabalho de parto prematuro, tem-se a infecção placentária por microrganismos. Dentre os microrganismos relacionados à ocorrência de partos pré-termo está o gênero bacteriano micoplasma, sendo este relacionado a desfechos gestacionais adversos, como rotura prematura de membranas e corioamnionite (inflamação das membranas fetais) (MARCONI et al, 2011). Os micoplasmas constituem um grupo amplo de microrganismos e algumas espécies como Mycoplasma e Ureaplasma são patógenos em humanos. Estes habitam principalmente as mucosas do trato respiratório e do sistema geniturinário. Mycoplasma hominis (M. hominis), Ureaplasma urealyticum (U. urealyticum) e Mycoplasma genitalium (M. genitalium) são chamados de “micoplasmas genitais”, pois a infecção acontece por contato sexual, sendo o M. hominis uma das espécies mais estudadas (ZDRODOWSKA-STEFANOW et al, 2006).

Dados de Mendzs et al (2013), em revisão sistemática que incluiu 761 mulheres com parto prematuro, apontou que 349 (46%) apresentaram infecção intrauterina. Neste estudo, foi demonstrado que, dentre os microrganismos intrauterinos, 58,7% correspondiam a micoplasmas e ureaplasma, sendo que 9% eram especificamente por M. hominis. Em outro estudo, Michou et al, (2014) isolaram DNA de M. hominis em 13,7% e U. urealyticum em 18,8% de amostras de tecidos menstruais de mulheres com problemas de fertilidade.

Nesse contexto, o exame anatomopatológico da placenta é um aliado nas investigações das alterações relacionadas ao parto e à gestação. Através do exame macro ou microscópico desse órgão é possível identificar e mensurar alterações na estrutura, implantação, vascularização, inflamação ou adversidades no ambiente intrauterino, que podem resultar em consequências fetais (SILVA, 2016).

2 Objetivos

O presente estudo teve como objetivo determinar a prevalência de M. hominis nos tecidos placentários, relacionando-a com desfechos gestacionais em gestantes atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em um hospital terciário da região norte do estado do Rio Grande do Sul. Ressalta-se que tal diagnóstico é relevante para o entendimento do perfil da população estudada, fisiopatologia e disfunção placentária.

3 Metodologia

Trata-se de um estudo transversal desenvolvido no Laboratório de Patologia do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) e no Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular da Universidade Federal da Fronteira Sul, em Passo Fundo – RS. A amostra foi constituída por pacientes parturientes, atendidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) no HSVP, que, por motivo de gestação de alto risco, ou critérios estabelecidos pela equipe obstétrica, tiveram suas placentas encaminhadas para análise anatomopatológica no ano de 2017. Foram excluídos os casos nos quais não foi possível encontrar o prontuário materno a partir do exame anatomopatológico.

Os dados sociodemográficos e gestacionais foram obtidos através de prontuários eletrônicos mediante aprovação pela Comissão de Pesquisa e Pós-Graduação do HSVP e do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) da Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS (CAAE 21478519.4.0000.5564). As variáveis da parturiente analisadas foram etnia, situação conjugal, escolaridade e dados obstétricos da gestação atual. Em relação ao recém-nascido, foram coletados dados do peso ao nascer e APGAR de 1º e 5º minutos.

Para a pesquisa de micoplasmas, foram utilizados os tecidos armazenados em blocos de parafina arquivados no setor de patologia do HSVP, os quais foram seccionados em micrótomo comum, obtendo-se 3 cortes de 10 μm de espessura. Os fragmentos foram acondicionados em microtubos estéreis e submetidos à desparafinização em xilol e subsequente extração de DNA total pelo método CTAB/NaCl, conforme protocolo descrito previamente (MARCOLINO et al., 2008).

A presença de DNA total foi verificada através da positividade para o gene endógeno de beta globina, utilizando-se os iniciadores específicos (primers) PCO4 (5’- CAACTTCATCCACGTTCACC-3’) e GH20 (5’-GAAGAGCCAAGGACAGGTAC-3’)14. As amostras positivas para beta globina foram submetidas à PCR para pesquisa de M. hominis, utilizando os iniciadores específicos (primers) M1 (5’- CAATGGCTAATGCCGGATACGC3’) e M2 (5’-GGTACCGTCAGTCTGCAAT-3’)15. Como controle positivo foi utilizado DNA extraído de ATTC (American Type Culture Collection) da bactéria de interesse.

Os resultados da pesquisa de M. hominis foram confirmados pela PCR em tempo real em 

aparelho QuantiStudio 5 (ThermoFisher Inc, Massachusets, USA) empregando-se o sistema de detecção SYBR Green em 20μL de reação total, constituída por 2x qPCRBIO SyGreen Mix (PCR Biosystems Inc, London, UK), 0,8uM de cada um dos iniciadores e 4uL da amostra de DNA. A técnica foi realizada no Laboratório de Imunopatologia da Faculdade de Medicina de Botucatu, UNESP. Curva padrão para a região analisada foi gerada a partir de diluição seriada de DNA controle (extraído de ATCC). As reações seguiram os seguintes parâmetros: 95oC por 3min, e 40 ciclos de 95oC por 5seg e 62oC por 30seg. A curva de melting foi gerada para verificar eficiência dos iniciadores.

 Os dados sociodemográficos e clínicos foram duplamente digitados em planilha no programa Epidata versão 3.1. A análise estatística foi realizada em software Graph Pad Prism, versão 6.0, e compreendeu a distribuição de frequências absoluta e relativa das variáveis categóricas, bem como associação das variáveis analisada pelo teste do X2 ou Exato de Fisher, e o nível de significância adotado foi de 5%.

4 Resultados e Discussão

            Foram identificados 3412 nascimentos no HSVP pelo SUS no ano de 2017, e, de acordo com critérios do local, 339 exames anatomopatológicos placentários foram realizados. Discrepâncias entre a identificação do exame e o prontuário materno foram encontradas em 12 casos, sendo assim, dados de 327 pacientes estavam disponíveis. Dessa forma, a amostra analisada correspondeu a 9,9% dos nascimentos, aproximadamente.

            Os resultados da pesquisa de M. hominis são apresentados de forma parcial. Devido à possível degradação do material genético das amostras na forma de preservação em formalina e parafinização, não foi possível recuperar o DNA total em todas as amostras tanto de parênquima placentário como de membranas corioamnióticas. Dessa forma, foram avaliadas 65 amostras com material satisfatório para pesquisa do DNA bacteriano, o que foi evidenciado pela positividade da PCR para o gene constitutivo da beta-globina. A pesquisa de M. hominis foi positiva em 2/65 (3,0%) das amostras avaliadas (Figura 1).

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Figura 1. A. Curva de amplificação da curva padrão com diluição 1:2 das amostras de DNA extraído de ATCC de Mycoplasma hominis (destaque em verde) e curva de amplificação de duas amostras positivas (destaque em azul). B. Curva de melting demonstrado a especificidade do fragmento amplifiado (Temperatura de melting = 85,4oC); ∆Rn=fluorescência.

 

            No presente estudo, a positividade para esse microrganismo foi encontrada em 3,0% (2/65) das amostras avaliadas, taxa inferior à média de 10% relatada na literatura (MICHOU et al., 2013). No entanto, uma possível justificativa para tal resultado é o baixo número de amostras processadas para pesquisa de M. hominis, e uma amostragem maior poderia refletir a positividade esperada. Ademais, o processo de inclusão de amostras teciduais em parafina, apesar de oportunizar às unidades hospitalares o armazenamento das amostras a longo prazo e proporcionar uma importante fonte para estudos adicionais retrospectivos, envolve a utilização de formol, o qual, juntamente com o posterior processamento histológico, causa certa degradação e modificações químicas nas células, as quais podem se apresentar em graus variáveis, interferindo na qualidade e na viabilidade do DNA. Sugere-se, portanto, que o aumento da amostragem e a melhoria nos protocolos de recuperação de DNA poderão gerar dados mais condizentes sobre a real prevalência de M. hominis nos tecidos placentários na população estudada.

Sendo assim, considerando a amostra e a metodologia empregadas, conclui-se que a prevalência de M. hominis foi inferior à relatada na literatura e, portanto, não foi relacionada aos dados sociodemográficos, gestacionais e neonatais. Portanto, faz-se necessário o desenvolvimento de novos estudos com amostragens maiores para melhor elucidar a relação de M. hominis com desfechos gestacionais adversos. A pesquisa de microrganismos intrauterinos é extremamente relevante para compreender o perfil da população estudada. A detecção de micoplasma, principalmente em gestantes, pode contribuir para o entendimento da fisiopatologia bacteriana e suas possíveis interferências desfavoráveis.

5 Conclusão

A positividade de M. hominis foi inferior à relatada na literatura e, portanto, não foi relacionada aos dados sociodemográficos, gestacionais e neonatais. Portanto, faz-se necessário o desenvolvimento de novos estudos com amostragens maiores para melhor elucidar a relação de M. hominis com desfechos gestacionais adversos.

 

Referências bibliográficas

Larissa D Marcolino, Jossimara Polettini, Andréa R Tristão. Coinfecção de chlamydia trachomatis e HPV em mulheres com condiloma acuminado DST – J bras Doenças Sex Transm 2008; 20(2): 87-9.

Marconi C. et al. Amniotic fluid interleukin-1 beta and interleukin-6, but not interleukin-8 correlate with microbial invasion of the amniotic cavity in preterm labor. American Journal of Reproductive Immunology, 2011;  65 (6):549–56.

Mendz GL, Kaakoush NO, Quinlivan JA. Bacterial aetiological agents of intra-amniotic infections and preterm birth in pregnant women. Frontiers in Cellular and Infection Microbiology, 2013; 3: 1-7.

Michou V, et al. Molecular investigation of menstrual tissue for the presence of Chlamydia trachomatis, Ureaplasma urealyticum and Mycoplasma hominis collected by women with a history of infertility. Journal Obstetrics Gynaecology Research, 2014; 40(1): 237-42.

Silva TG, Lima TABC, Mota AVP, Guedes VR. A importância do exame anatomopatológico da placenta em obstetrícia e neonatologia. Hu rev. 2016; 42(3): 171-5.

Zdrodowska-Stefanow B, Kłosowska WM, Ostaszewska-Puchalska I, Bułhak-Kozioł V, Kotowicz B. Ureaplasma urealyticum and Mycoplasma hominis infection in women with urogenital diseases. Adv Med Sci. 2006; 51: 250-3

 

Publicado
15-10-2021