O “ENSINO” DE GRAMÁTICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA SOB UM ENFOQUE GERATIVISTA: DA TEORIA À PRÁTICA

  • Gustavo Henrique Silva Von Ah Universidade Federal da Fronteira Sul
  • Sheila Margareth de Sousa
  • Ani Carla Marchesan
Palavras-chave: Linguística formal. “Ensino” de gramática. Função sintática. Sentenças simples. Educação Básica.

Resumo

1 INTRODUÇÃO

No campo teórico, estudos em linguística formal têm se mostrado importantíssimos para o mapeamento das propriedades e para a descrição e explicação do funcionamento do sistema linguístico das línguas naturais. No campo aplicado, e com mais força na última década, essa área da linguística também tem se debruçado a desenvolver propostas que contribuam para o “ensino” de gramática na Educação Básica e a mostrar que trazer a consciência do aluno o funcionamento do sistema linguístico de sua língua materna, na forma de trabalho explícito com a gramática, contribui não só para a produção de textos (orais ou escritos) coesos e coerentes (PILATI, 2017) como também para “o desenvolvimento de competências que aperfeiçoam o processo de aprendizagem, motivo pelo qual deve ser objeto de construção de conhecimento e sistematização didática” (VIEIRA, 2019, p. 89).

Nesse cenário, o trabalho aqui proposto, fruto do projeto de pesquisa O “ensino” de gramática na Educação Básica sob um enfoque gerativista: da teoria à prática, busca analisar e discutir as definições de funções sintáticas de sentenças simples (como sujeito, objeto direto, objeto indireto e adjunto adverbial) do português brasileiro (PB) e fornecer propostas para o seu “ensino” a alunos do 7º ano do Ensino Fundamental.

Acreditamos, na esteira de Pilati (2017) e trabalhos subsequentes, que dominar e entender o funcionamento do sistema linguístico (ou seja, da gramática) do PB, iniciando pelos termos da sentença simples (termos da oração, na visão tradicional), é importante para que o aluno aprenda a manipular com segurança sentenças/orações (tomadas aqui como sinônimas), alterando conscientemente a ordem dos termos (VALERIUS, 2018) e entendendo as consequências de sentido e de pontuação, por exemplo, que estão implicadas nessas mudanças de ordem.

Assim, sendo, na seção seguinte são apresentados os objetivos deste trabalho (seção 2) e o método da pesquisa (seção 3). Depois disso, há uma breve análise das funções sintáticas e proposta de atividade didática elaborada (seção 4). Por fim, descrevemos as conclusões parciais desta pesquisa ainda em andamento.

 

2 OBJETIVOS

Revisitar as definições das funções sintáticas de sentenças simples (sujeito, objeto direto, objeto indireto e adjunto adverbial) e produzir uma atividade prática para trabalhar esse conteúdo com alunos do 7º ano do Ensino Fundamental.

 

3 METODOLOGIA

Metodologicamente, este trabalho, inserido na perspectiva da linguística gerativa, é de natureza descritiva e explicativa quanto aos objetivos; e bibliográfica quanto aos procedimentos metodológicos. Descritiva e explicativa, pois descrevemos as definições de funções sintáticas de sentenças simples do PB e propomo-nos a explicar tais funcionamentos, balizados em pesquisas de linguística formal mais recentes (por isso, também bibliográfica).

Ademais, a partir de revisões de literatura, propomos uma atividade didática sobre esse conteúdo para o 7º ano do Ensino Fundamental, baseando-nos na metodologia da aprendizagem linguística ativa e no uso de materiais concretos de Eloisa Pilati (2017).

Cabe destacar que a atividade proposta não busca substituir o livro didático, mas ser material complementar às atividades propostas na escola. A escolha pelo 7º ano deve-se ao fato de que documentos oficiais, como a BNCC, apontam, no eixo análise linguística/semiótica, que alunos de 6º e 7º anos precisam desenvolver as habilidades de “identificar, em textos lidos ou de produção própria, a estrutura básica da oração: sujeito, predicado, complemento (objetos direto e indireto)” (BRASIL, 2017, p. 171).

 

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Com o intuito de analisar a abordagem das funções sintáticas (sujeito, objeto e adjunto), destacamos o texto de Cunha (2005), que analisa detalhadamente os problemas de ordem semântica, discursiva e sintática presentes nas definições da função sintática de sujeito das gramáticas tradicionais; o texto de Rocha (2021), que apresenta uma definição de sujeito, tentando minimizar os problemas elencados por Cunha (2005); e o texto de Duarte (2014), que revisita e propõe alternativas para o trabalho com as definições das funções sintáticas (dos termos da oração, na nomenclatura tradicional).

A análise desses textos têm dois desdobramentos relevantes para o trabalho com gramática na sala de aula. O primeiro é a necessidade de se trabalhar com a estrutura projetada pelo(s) predicador(es). Um predicador verbal, por exemplo, é o responsável por projetar a sentença/oração, selecionando os argumentos e, se for o caso, os adjuntos adverbiais. O segundo ponto é a imprescindibilidade de se trabalhar com a noção de sintagma/constituinte antes do trabalho com a função sintática (KENEDY, 2013; DUARTE, 2014; ROCHA, 2021), já que é o constituinte que tem um papel sintático na sentença.

Adicionado a isso, incorporamos, neste trabalho, a proposta de Pilati (2017) que, baseada em estudos das neurociências, propõe o uso de materiais concretos como forma de conferir ao estudante uma aprendizagem linguística ativa.

Assim, o primeiro resultado prático dessa pesquisa é a proposta de um jogo didático, chamado Baralho Sintático. O jogo tem regras simples, que consistem em formar sentenças de acordo com as cartas que tiver em mãos. As cartas contêm sintagmas diversos (que poderão exercer a função de sujeito, objeto e/ou adjunto adverbial) ou verbo (predicador verbal). O aluno precisa, com o conjunto de cartas em mãos, montar sentenças, que podem representar a ordem sujeito, verbo ou objeto (SVO) ou outra ordem que seja possível na língua. O intuito do jogo é marcar a maior quantidade de pontos possíveis, formando as mais variadas sentenças possíveis. Os jogadores (alunos) devem identificar sozinhos a gramaticalidade ou não das sentenças formadas, levando em consideração a possibilidade de alterar a ordem dos sintagmas (VALERIUS, 2018).

O jogo vincula a prática didática com a teoria adotada por este trabalho. Ao seguir os preceitos da Teoria gerativa para o “ensino” de gramática, partimos do trabalho com o sintagma para, na sequência deste projeto, propor outras atividades em que o aluno se conscientize do que é um sintagma e da sua função sintática (isso será um trabalho futuro). Além disso, partimos do jogo de cartas (atividade ativa e com material concreto) para depois trabalhar com os conceitos e definições.

Não se pode olvidar da importância de trabalhar o texto em sala de aula. No entanto, acreditamos, na esteira de Kenedy (2013), Duarte (2014), Rocha (2021), entre outros, que para resultados eficientes, devemos partir da sentença e da noção de sintagma para depois chegar ao texto. Ou seja, é necessário trazer à consciência do aluno as regras do funcionamento do sistema linguístico do PB, utilizando materiais concretos (PILATI, 2017) para, então, trabalhar com texto. Não trabalhar com a “noção de sintagma é uma das maiores causas das incorreções e das incoerências da análise sintática em Língua Portuguesa” (KENEDY, 2013, p. 74) e isso pode facilmente ser trabalhado no ensino básico, levando em consideração que o aluno carrega consigo de forma inata uma série conhecimentos prévios da língua. Portanto, a prática de “ensino” de gramática na Educação Básica não deve figurar “exclusivamente como matéria instrumental [de segundo plano] para leitura e produção textual.” (VIEIRA, 2019, p. 89), mas partir da unidade mínima (sintagma) para depois chegar ao texto. O jogo Baralho Sintático segue essa premissa.

 

5 CONCLUSÃO

O trabalho explícito com a gramática na Educação Básica constitui-se em uma importante ferramenta capaz de propiciar ao aluno o conhecimento e entendimento do funcionamento linguístico de sua língua materna. Nisso, com base nas pesquisas de Pilati (2017), inferimos que o aluno que é submetido a uma reflexão sobre o sistema linguístico de sua língua, a partir de sentenças simples, será capaz não só de obter maior compreensão dos fenômenos gramaticais como também ampliará a sua capacidade de expressão linguística.

A vista disso, além de analisar e discorrer sobre como se apresentam as definições de funções sintáticas de sentenças simples (sujeito, objeto direto, objeto indireto e adjunto adverbial), o presente trabalho, a partir das contribuições da linguística gerativa, buscou desenvolver um jogo didático como proposta de atividade prática para o ensino desse conteúdo a alunos do 7º ano do Ensino Fundamental. A escolha pela elaboração desse jogo, dentre diversos motivos, deve-se ao fato de que acreditamos que para que o aluno obtenha uma aprendizagem efetiva dos conteúdos abordados é preciso que ele disponha de uma participação ativa (PILATI, 2017). Assim, essa atividade auxiliará ao professor a criar condições para que o aluno dê continuidade ao seu ofício de “mini linguista”, formulando hipóteses, por meio de dados linguísticos, que se confirmam ou não em relação às regras de funcionamento da língua (MELO; PAULA, 2019).

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Básica. Base Nacional Comum Curricular. MEC: Brasília, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br. Acesso em: 16 abr. 2020.

CUNHA, A. S. C.. Discutindo os critérios para a definição de sujeito no português do Brasil. Rev. SOLETRAS, ano V, n.10, São Gonçalo: UERJ, jul./dez. 2005.

DUARTE, M. E.. Os termos da oração. In: VIEIRA, Silvia R.; BRANDÃO, Silvia Figueiredo. Ensino de gramática: descrição e uso. São Paulo: Contexto, 2009. p.185-203.

KENEDY, E. Possíveis contribuições da linguística gerativa à formação do professor de língua portuguesa. Revista de Letras, Fortaleza, v. 1, n. 32, p. 72-79, jan./jun. 2013.

MELO, A. L. O.; PAULA, M. N.. Agregando saberes científicos e a sala de aula: uma proposta didática para o ensino de língua materna com base na gramática internalizada. Revista Com Censo, [S.l.], v. 6, n. 4, p. 84-93, nov. 2019.

PILATI, E.. Linguística, gramática e aprendizagem ativa. 2. ed. Campinas, SP: Pontes, 2017.

ROCHA, A.. A noção de sujeito no livro didático de língua portuguesa: uma proposta para o ensino de gramática na sala de aula. Dissertação (Mestrado em Linguística), Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos, UFFS, 2021.

VALERIUS, C.. Metodologia da aprendizagem ativa para o “ensino” da ordem dos termos da oração: contribuições da linguística gerativa para a educação básica. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Letras Português e Espanhol) – UFFS, Chapecó, 2018.

VIEIRA, S. R.. Objetivos pedagógicos e níveis gramaticais: um olhar sobre o ensino de língua portuguesa. In: PILATI, E.; NAVES, R.; SALLES, H. L. (org.). Novos olhares para a gramática na sala de aula: questões para estudantes, professores e pesquisadores. Campinas: Pontes, 2019. p. 67-91.

Publicado
15-10-2021