PRÁTICA AGROECOLÓGICA E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL EM ÁREAS DE LUTA PELA TERRA NA REGIÃO CENTRO-SUL DO PARANÁ

  • Juliana Cristina de Mello
  • Roberto Antonio Finatto Universidade Federal da Fronteira Sul - Campus Laranjeiras do Sul
Palavras-chave: Agroecologia, Desenvolvimento Territorial, MST

Resumo

A Agroecologia tem como ponto de partida a experiência desenvolvida pelos camponeses e camponesas, arraigada em uma racionalidade ecológica. Pode ser considerada como um novo paradigma para o sistema agroalimentar, pois valoriza os territórios camponeses, produz alimento sem o uso de agrotóxicos, gera renda e democratiza o acesso aos alimentos. Ainda que parta da dimensão técnica de um agroecossistema, a Agroecologia também incorpora elementos sociais e culturais. Para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a Agroecologia é concebida como um processo de construção de outro sistema político e produtivo, em oposição ao agronegócio, compreendendo que na função social da terra também está incluída a necessidade de produzir alimentos saudáveis. Assim, não é suficiente dividir a terra, mas viabilizar nela a produção de alimentos em sistemas agroecológicos.

Esta pesquisa aborda o caso da produção agroecológica do acampamento Herdeiros da Terra de 1° de Maio, localizado nos municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Nova Laranjeiras, mesorregião Centro-Sul Paranaense. O acampamento foi formado em julho de 2014 por mais de 1.500 famílias (CEZIMBRA, et al., 2019) como resultado da ocupação de uma área que está sob domínio da empresa Araupel S. A. e passou por distintas temporalidades marcadas por mudanças na sua configuração territorial. Inicialmente, todas as famílias acampadas estavam agrupadas em um mesmo espaço; posteriormente, elas foram distribuídas em mais cinco pontos na área ocupada — Herdeiros II (Alojamento), Herdeiros III (Lambari), Herdeiros IV (Guajuvira), Ponte e Eucalipto — além daquele inicialmente criado, denominado de Herdeiros I; por último, a partir de julho de 2018, as famílias foram distribuídas em unidades produtivas individuais. A produção agroecológica foi desenvolvida desde o início da ocupação por diferentes grupos de produção orgânica e agroecológica que foram sendo reorganizados diante das transformações no território. 

A pesquisa possui natureza qualitativa, seguindo os procedimentos de pesquisa bibliográfica e trabalho de campo. A pesquisa bibliográfica foi realizada a partir dos temas, como Agroecologia, campesinato e desenvolvimento territorial e de publicações sobre o acampamento. O trabalho de campo, ocorrido durante o primeiro semestre de 2019, contou com pesquisa participante e com a realização de sete entrevistas com os/as agricultores/as dos grupos de Agroecologia. Os dados coletados pela pesquisa participante estão presentes no conjunto do trabalho, tendo em vista a inserção da bolsista como acampada e integrante de um dos grupos de Agroecologia.

Desenvolver estratégias de desenvolvimento territorial pressupõe a criação de condições, de ordem natural e social, capazes de atender aos interesses das pessoas que vivem em um determinado território. Esse processo deve ser marcado pela construção daquilo que Dematteis (2008, p.35) define como “territorialidade ativa” e “que deriva das ações coletivas territorializadas e territorializantes dos sujeitos locais e objetiva a construção de estratégias de inclusão”. Assim, o desenvolvimento territorial, numa perspectiva que gera autonomia aos sujeitos, pressupõe o ajuste das técnicas e tecnologias aos diferentes contextos histórico- geográficos (SAQUET & SPOSITO, 2008). Portanto, a Agroecologia pode funcionar como articuladora do desenvolvimento territorial, já que “os saberes agroecológicos são uma constelação de conhecimentos, técnicas, saberes e práticas dispersas que respondem às condições ecológicas, econômicas, técnicas e culturais de cada geografia e de cada população” (LEFF, 2002, p.37).

O debate sobre a Agroecologia no acampamento Herdeiros da Terra de 1º de Maio surgiu impulsionado pelo MST, como conteúdo de formação de base das famílias acampadas. Um forte argumento utilizado para esse processo é o de que a Reforma Agrária também se justifica pelo sistema de produção empreendido. Portanto, é fundamental incentivar a Agroecologia nas áreas de assentamentos e acampamentos para reforçar a importância da Reforma Agrária como promotora da produção de alimentos saudáveis.

Apesar disso, existem muitas dificuldades para consolidar a produção. Estas dificuldades também estão relacionadas ao fato de que a área, mesmo após a distribuição das famílias nos lotes, não ter sido oficialmente destinada para a Reforma Agrária. As principais dificuldades apontadas são: reestabelecer o equilíbrio do solo (por se tratar de terra onde anteriormente havia plantio de pinus e eucalipto); falta de recursos para compra de insumos e para viabilizar o plantio (insumos orgânicos, sistema de irrigação, compra de maquinário e/ou pagamento de horas-máquina para o trabalho); dificuldades para efetivar a certificação das áreas e incertezas em relação à comercialização dos produtos.

Diante do exposto, a Agroecologia somente funcionará como articuladora do desenvolvimento territorial na área estudada diante de um amplo processo de Reforma Agrária que possibilite acesso e permanência na terra com condições materiais para superar as dificuldades apontadas.

Publicado
23-09-2019