PROFILAXIA ANTIBACTERIANA EM PROCEDIMENTOS RADIOLÓGICOS INTERVENCIONISTAS

  • Maria Alice De Costa Ferro Universidade Federal da Fronteira Sul Passo Fundo
  • Ivana Loraine Lindemann
Palavras-chave: antibioticoprofilaxia; radiologia intervencionista; hospitais gerais

Resumo

1 Introdução/Justificativa

A primeira revisão publicada no âmbito da profilaxia antibiótica em radiologia intervencionista (RI) ocorreu na década de 80.  Porém, daquela época até a atualidade, poucos estudos controlados e randomizados foram desenvolvidos. E, é evidente que de lá para cá novos antibióticos, novas técnicas em RI e novas cepas de bactérias resistentes se desenvolveram. Em virtude dessa deficiência, a profilaxia antibacteriana em RI é baseada na literatura cirúrgica, por mais que o objetivo seja prevenir contaminação bacteriana na corrente sanguínea e não na ferida operatória (SUTCLIFFE et al., 2015 & VENKATESAN et al., 2010).

2 Objetivos

Descrever a prescrição de profilaxia antibacteriana em procedimentos de drenagem biliar percutânea realizados em hospital geral de ensino.

3 Material e Métodos/Metodologia

Trata-se de um estudo de coorte retrospectivo com uma amostra não probabilística, selecionada por conveniência, composta por procedimentos de drenagem biliar percutânea, com ou sem implante de prótese biliar, em pacientes maiores de 18 anos, de ambos os sexos, atendidos em um hospital geral de ensino, no período de 21 de novembro de 2015 a 28 de agosto de 2018. Foram excluídos aqueles que foram a óbito durante a realização do procedimento e/ou estavam em uso prévio de antibioticoterapia. Dos prontuários foram coletados dados referentes à existência de comorbidades prévias e, sobre o procedimento (motivo e caráter). Relativos ao período de internação hospitalar foram coletados: presença prévia de febre, outras infecções; realização, tipo e duração de antibioticoprofilaxia; e, ocorrência de febre e óbito após o procedimento.

Para caráter do procedimento foram considerados como eletivos aqueles que deram entrada no serviço especificamente para realização da drenagem biliar percutânea e, como não eletivos, os realizados sob regime de internação prévia para investigação de sintomas. Administração única foi considerada como sendo realizada no momento do procedimento. Os dados foram transcritos em uma ficha de coleta, duplamente digitados e validados no programa EpiData e a estatística descritiva foi realizada no programa PSPP (ambos de distribuição livre). O protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal da Fronteira Sul. 

4 Resultados e Discussão

Foram incluídos 86 procedimentos (55 pacientes) e, as principais características da amostra são apresentadas a seguir.

Ao observar-se a causa presumida da necessidade de drenagem biliar, a obstrução neoplásica foi predominante (71%). Já em relação ao caráter do procedimento, mais da metade (63,9%) foi considerado eletivo. Além disso, dos que receberam antibioticoprofilaxia (84,9%), esta durou mais de setenta e duas horas em 50,8% dos procedimentos e quase metade (45,8%) utilizou ciprofloxacino 400mg endovenoso (EV) ou ciprofloxacino 400mg EV com ciprofloxacino 500mg via oral (VO). Ainda, verificou-se desenvolvimento de febre após realização do procedimento em 3,5% dos casos, dos quais todos apresentavam comorbidades prévias. Em apenas um não foi realizada a antibioticoprofilaxia e, naqueles em que foi oferecida, foi administrada em regime de doses múltiplas na totalidade dos casos, sendo que em um deles não houve execução prévia ao procedimento.

Além disso, foi observada uma frequência de óbito, ulterior à drenagem, de 11,6%. Dos 13 procedimentos em que não foi realizada antibioticoprofilaxia (15,1%), em 30,8% dos casos a drenagem biliar percutânea foi em caráter eletivo e houve registro de febre após o procedimento em 8,3% deles, além de uma frequência de óbito de 46,2%.

Avaliando-se a frequência de realização de antibioticoprofilaxia, os resultados diferem da literatura, a qual sugere profilaxia de rotina (VENKATESAN et al., 2010). Além disso, outros estudos aconselham oferta de antibióticos preventivamente em pacientes submetidos à troca de drenos, mesmo que assintomáticos, em virtude da presença do dreno permitir a comunicação de bactérias do duodeno para a via biliar (JOSEPH et al., 1986). Ainda, nos pacientes em que há drenagem biliar inadequada, deve-se mantê-la até que se obtenha desobstrução do sistema, uma vez que o risco de bacteremia pós-procedimento permanece até que o órgão esteja devidamente drenado (VENKATESAN et al., 2010). Esse risco se mantém, pois, uma drenagem biliar inadequada ocasiona estase biliar, que aumenta o crescimento bacteriano e o aumento das pressões intraductais leva à bacteremia (CARRASCO et al., 1984).

Uma das possíveis explicações para 15,1% da amostra não ter recebido profilaxia, é de que em 30,8% destes casos, o procedimento foi considerado de caráter eletivo, o qual poderia traduzir um cenário ideal, ou seja, além de adoção de técnica asséptica, não apresentar estase biliar. Acrescenta-se que, é possível que esta frequência esteja superestimada, pois, ao serem avaliados os prontuários eletrônicos, alguns apresentaram prescrição de antibioticoprofilaxia, embora, no local destinado à documentação da execução, não houvesse registro. Ainda deve-se considerar que, em se tratando de condutas médicas, os protocolos existem para auxiliar nas escolhas, no entanto a medicina ainda não é uma ciência exata. Além disso, os pacientes da amostra apresentaram uma carga complexa de comorbidades, as quais podem repercutir sistemicamente, haja vista a frequência de mortalidade identificada nos pacientes em que não foi encontrado registro de profilaxia (46,2%), apesar de apenas 8,3% deles terem sido detectados com febre após o procedimento. 

No tocante à duração da profilaxia, os resultados encontrados revelaram que 88,6% dos procedimentos adotaram regime de prescrição em doses múltiplas, indicando, possivelmente, a presença de drenagem inadequada. Porém, durante a análise dos prontuários, houve dificuldade em se estabelecer com precisão a razão da execução de alguns procedimentos, se era devido à obstrução da árvore biliar propriamente dita ou à manipulação profilática/programada de drenos, o que poderia justificar a escolha de dose única em 11,4% da amostra.

Já em relação aos agentes antibacterianos utilizados para profilaxia, os resultados encontrados diferem da literatura, que considera, apesar de não haver consenso na escolha, as classes de opção comuns: cefalosporinas, penicilinas, aminoglicosídio, glicopeptídeo e lincosamina (VENKATESAN et al., 2010). Por outro lado, se for levado em conta o espectro de ação do ciprofloxacino, antibiótico mais utilizado na amostra, o qual possui cobertura para Enterococcus faecalis, Staphylococcus spp., Streptococcus pneumoniae e também para Klebsiella, Pseudomonas spp., Enterobacter spp., E. coli, Haemophillus influenzae (MELO et al., 2012), observa-se cobertura para boa parte dos patógenos geralmente encontrados nas culturas biliares positivas (Enterococcus spp, Candida spp, Streptococcus viridans, E. coli, Clostridium, Klebsiella e Pseudomonas) (VENKATESAN et al., 2010). Mesmo assim, deve ser considerada a microbiologia e a sensibilidade locais, que podem apresentar diferenças. Ademais, deduzem-se escolhas adequadas, já que apenas 3,5% da amostra houve registro de febre após o procedimento. Culturas biliares não foram analisadas no presente estudo.

5 Conclusão

Esse estudo observou uma frequência de realização de antibioticoprofilaxia diferente do que a literatura sugere (84,9% vs profilaxia de rotina), bem como diferiu quanto às opções de escolha de agentes antibacterianos utilizados como profilaxia. Desse modo, sugerem-se novas pesquisas para determinar se os patógenos comumente encontrados nas culturas biliares deste serviço são suscetíveis aos agentes antibacterianos majoritariamente escolhidos. Além disso, é importante a realização de um levantamento custo-benefício entre os antibióticos de escolha, caso a sensibilidade dos patógenos seja equivalente entre eles.

Publicado
03-09-2019