NOVAS DETERMINAÇÕES DOS PROCESSOS DE CONVERSÃO DA PESQUISA EM SAÚDE NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS EM “CONHECIMENTO MERCADORIA”

  • Claudia March Universidade Federal Fluminense

Resumo

A resposta da burguesia à crise do capital que se iniciou na década de 1970 teve como pilares fundamentais a reestruturação produtiva, a mundialização da economia, combinada com a financeirização, e a refuncionalização do Estado capitalista. A refuncionalização neoliberal do Estado no Brasil tem combinado, desde os governos FHC até a atualidade, processos de privatização clássica, a exemplo da privatização das empresas estatais que atuavam no ramo produtivo, com a privatização não clássica das políticas sociais e seu subfinanciamento, com destaque para saúde, educação, previdência e, mais recentemente, ciência e tecnologia. (BEHRING, 2003; MISOCZKY ET AL., 2017) O processo de privatização interna e de conversão da pesquisa em conhecimento-mercadoria em curso nas universidades públicas desde a década de 1990, que se utilizava do arcabouço jurídico-institucional das Fundações Privadas de Apoio, ganhou novos contornos a partir de medidas da década de 2010, como a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares e o Marco Legal de Ciência e Tecnologia, aprovado em 2016. (MANCEBO, 2013; MARCH, 2013; RAMOS, 2010) O agravamento das medidas de subfinanciamento das políticas sociais no governo Temer, com destaque para a Emenda Constitucional 95 de 2016, aprofunda as possibilidades abertas pelos dispositivos legais da relação público-privado presentes na EBSERH e no Marco de Ciência e Tecnologia na área de pesquisa em saúde. A comodificação em curso nas instituições públicas de ensino superior, especificamente na área de saúde, a partir da amplificação das relações entre o complexo médico-financeiro e as universidades ganha novos contornos que irão impactar não só a pesquisa, mas também a formação de profissionais de saúde. (FAIRCLOUGH, 2001; GOMES, 2017) O presente ensaio apresenta uma análise dos dispositivos presentes na EBSERH, já amplamente conhecidos e debatidos, e no Marco Legal de Ciência e Tecnologia - Lei 13.243 de 11 de janeiro de 2016. A referida lei modificou um conjunto de leis anteriormente aprovada, ampliando e consolidando mecanismos já existentes de relação entre as universidades e o complexo médico-produtivo-financeiro. O estabelecimento de contratos entre a iniciativa privada e as instituições públicas que realizam pesquisa inclui a cessão de direitos de propriedade intelectual resultante das pesquisas realizadas nas instituições públicas aos parceiros privados. Flexibiliza os processos de contratação e licitação da administração pública, assim como admite contratação temporária de pesquisadores e a cessão de pesquisadores e docentes do serviço público. Esses e outros mecanismos são analisados no presente ensaio e nos permitem concluir que tais medidas, somadas ao aprofundamento do subfinanciamento público durante o governo Temer, potencializam a subsunção dos espaços de produção do conhecimento à lógica capitalista, significando um risco à autonomia universitária que pressupõe a gestão democrática do projeto político-pedagógico da universidade, sem subordinação às diretrizes políticas dos governos e ao mercado, condição necessária para a crítica da realidade social e o desenvolvimento de práticas de ensino, pesquisa e extensão que tenham como referência as necessidades sociais de saúde dos trabalhadores e trabalhadoras.

Biografia do Autor

Claudia March, Universidade Federal Fluminense

Professora Associada do Departamento de Planejamento em Saúde

Instituto de Saúde Coletiva

Universidade Federal Fluminense

Atuo na área de Saúde Coletiva com destaque para os temas Contrarreforma do Estado e Políticas Públicas de Saúde; Trabalho e Saúde; Formação de profissionais de saúde

Referências

BEHRING, E. R. Brasil em contrarreforma: desestruturação do Estado e perda dos direitos. São Paulo: Cortez, 2003.

FAIRCLOUGH, N. Discurso e mudança social. Brasília, DF: Editora da UnB, 2001.

MANCEBO, D. Trabalho docente e produção de conhecimento. Psicol. Soc., Belo Horizonte , v. 25, n. 3, p. 519-526, 2013 .

GOMAS, R. M. Humanização e desumanização no trabalho em saúde. Rio de Janeiro: Editora da Fiocruz, 2017.

MARCH, C; Contrarreforma do Estado e o movimento dos trabalhadores do serviço público em tempos de governos petistas. Tese (Doutorado em Serviço Social) Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Serviço Social, Rio de Janeiro, 2013.

MISOCZKY, M.C.; ABDALA, P. R. Z. ; DAMBORIARENA, L. . A trajetória Ininterrupta da Reforma do Aparelho de Estado no Brasil: Continuidades nos Marcos do Neoliberalismo e do Gerencialismo. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GESTÃO SOCIAL, v. 9, p. 135, 2017.

RAMOS, G. S. A comodificação da educação superior: as fundações privadas nas universidades públicas. In: V ANPAE-NE, 2010, João Pessoa - PB. VI Seminário Regional de Política e Administração do Nordeste/ V Encontro Estadual de Política e Administração da educação/PB. UFPB, 2010. p. 1-10.

Publicado
06-04-2018
Seção
Planejamento e Gestão dos Sistemas de Saúde