ARTE E SUBJETIVAÇÃO: ATIVIDADE CRIADORA COMO DISPOSITIVO DE INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA EM UMA ASSOCIAÇÃO DE USUÁRIOS DE CAPS
Resumo
Apresentamos proposta de intervenção psicológica desenvolvida no estágio em Psicologia Social no contexto da Associação de Usuários de CAPS – ASUCAPS. A associação tem por finalidade a inserção de sujeitos usuários do CAPS no mercado de trabalho através da confecção de artesanato e geração de renda. O objetivo do estágio centra-se na atividade criadora para desenvolver sentidos à experiência coletiva e expressões de um plano estético e simbólico próprio ao grupo, que promova desidentificação em relação aos estigmas associados à loucura. Destarte, nos utilizamos da construção de narrativas e da arte intuitiva como dispositivos grupais de intervenção.
Utilizamos a cartografia enquanto método de pesquisa-intervenção que pressupõe a experimentação no real, na medida que se acompanha processos, e nesse acompanhar, produz-se efeitos de subjetivação que rompam com lógicas identitárias de sujeição. Portanto, a criação de dispositivos torna-se imperativo para poder agenciar elementos inéditos ao território que produzam novos arranjos, isto é, que deem conta de produzir um campo de experiência capaz de possibilitar novas relações com o mundo. A arte intuitiva através da pintura em tela e argila, e a produção de narrativas por meio de máquinas de escrever são tidos como dispositivos.
Nesta perspectiva, a arte não encontra regras técnico-estéticas específicas que fundam um saber sobre ela. A regra é paradoxalmente não ter regras; pintar, moldar de forma intuitiva, não para extrair imagens do inconsciente, mas para produzi-lo.
O trabalho com arte propõe a desvinculação com o utilitarismo capital, onde o produto final integra os fluxos da economia-lucro, sendo comercializado. Objetiva-se produzir um outro lugar que abrigará um outro sujeito. Existe aí uma dimensão política do não-lugar onde o sujeito não é mais o louco, incapaz de permanecer no convívio social em decorrência de sua doença e atrelado ao saber médico-psiquiátrico, nem o artista que pinta/molda com um saber técnico-estético específico; ele é o corpo ser órgãos que escapa aos fluxos de sobrecodificação de sua subjetividade. Um não-lugar de um não-sujeito que demarca seu território existencial através da intensidade das cores e do traçado das linhas que produz.
Neste sentido, as máquinas de escrever estão para produzir narrativas individuais e coletivas. O sujeito colocado como narrador de sua história produz variação em relação ao seu lugar frente o mundo. A linguagem opera formas possíveis de tensionar o arquivo da loucura e os domínios do saber-poder sobre ela na medida em que se desescreve.
Desescrever dá este sentido de quebrar os estigmas da loucura e do saber por meio da linguagem. Ademais, a escrita sempre estará no limite de um abismo e no contato com a produção de um novo sujeito; ela não tem por objetivo operar movimentos de recuperação da saúde mental, embora isso possa acontecer, nem fazer o sujeito expressar sua doença, mas dispor da escrita para fazer passar fluxos intensivos da história e vida. A produção de um outro sujeito se dá sempre no entre de outras histórias e de outras vozes. No encontro com a narrativa da história de outro, o sujeito narra sua própria história e reinventa-se.
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