ARTE E SUBJETIVAÇÃO: ATIVIDADE CRIADORA COMO DISPOSITIVO DE INTERVENÇÃO PSICOLÓGICA EM UMA ASSOCIAÇÃO DE USUÁRIOS DE CAPS

  • Lucas José Donhauser UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ - UNOCHAPECÓ
  • Murilo Cavagnoli Universidade Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECÓ
  • Bruna Tibolla Mohr Universidade Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECÓ

Resumo

Apresentamos proposta de intervenção psicológica desenvolvida no estágio em Psicologia Social no contexto da Associação de Usuários de CAPS – ASUCAPS. A associação tem por finalidade a inserção de sujeitos usuários do CAPS no mercado de trabalho através da confecção de artesanato e geração de renda. O objetivo do estágio centra-se na atividade criadora para desenvolver sentidos à experiência coletiva e expressões de um plano estético e simbólico próprio ao grupo, que promova desidentificação em relação aos estigmas associados à loucura. Destarte, nos utilizamos da construção de narrativas e da arte intuitiva como dispositivos grupais de intervenção.

Utilizamos a cartografia enquanto método de pesquisa-intervenção que pressupõe a experimentação no real, na medida que se acompanha processos, e nesse acompanhar, produz-se efeitos de subjetivação que rompam com lógicas identitárias de sujeição. Portanto, a criação de dispositivos torna-se imperativo para poder agenciar elementos inéditos ao território que produzam novos arranjos, isto é, que deem conta de produzir um campo de experiência capaz de possibilitar novas relações com o mundo. A arte intuitiva através da pintura em tela e argila, e a produção de narrativas por meio de máquinas de escrever são tidos como dispositivos.

Nesta perspectiva, a arte não encontra regras técnico-estéticas específicas que fundam um saber sobre ela. A regra é paradoxalmente não ter regras; pintar, moldar de forma intuitiva, não para extrair imagens do inconsciente, mas para produzi-lo.

O trabalho com arte propõe a desvinculação com o utilitarismo capital, onde o produto final integra os fluxos da economia-lucro, sendo comercializado. Objetiva-se produzir um outro lugar que abrigará um outro sujeito. Existe aí uma dimensão política do não-lugar onde o sujeito não é mais o louco, incapaz de permanecer no convívio social em decorrência de sua doença e atrelado ao saber médico-psiquiátrico, nem o artista que pinta/molda com um saber técnico-estético específico; ele é o corpo ser órgãos que escapa aos fluxos de sobrecodificação de sua subjetividade. Um não-lugar de um não-sujeito que demarca seu território existencial através da intensidade das cores e do traçado das linhas que produz.

Neste sentido, as máquinas de escrever estão para produzir narrativas individuais e coletivas. O sujeito colocado como narrador de sua história produz variação em relação ao seu lugar frente o mundo. A linguagem opera formas possíveis de tensionar o arquivo da loucura e os domínios do saber-poder sobre ela na medida em que se desescreve.

Desescrever dá este sentido de quebrar os estigmas da loucura e do saber por meio da linguagem. Ademais, a escrita sempre estará no limite de um abismo e no contato com a produção de um novo sujeito; ela não tem por objetivo operar movimentos de recuperação da saúde mental, embora isso possa acontecer, nem fazer o sujeito expressar sua doença, mas dispor da escrita para fazer passar fluxos intensivos da história e vida. A produção de um outro sujeito se dá sempre no entre de outras histórias e de outras vozes. No encontro com a narrativa da história de outro, o sujeito narra sua própria história e reinventa-se.

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Publicado
03-03-2018
Seção
Saberes e Práticas de Atenção à Saúde