HÁ VIDA NA LOUCURA? POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE MENTAL COMO EMANCIPATÓRIAS E PROMOTORAS DE CIDADANIA.

  • Flávia Michelle Pereira Albuquerque UFFS
  • Edenilson Freitas Rodrigues FEMA
  • Michele Silva Lachno FUMSSAR

Resumo

Até o início do século XX, a psiquiatria brasileira era caracterizada por controversos métodos de tratamento, tais como a eletroconvulsoterapia, as neurocirurgias e o coma insulínico. Com a desinstitucionalização após a Segunda Guerra Mundial e mais profundamente nos anos 70, o indivíduo portador de transtorno mental deixa de ser atendido exclusivamente em hospitais psiquiátricos e ganha outros tipos de tratamento. Uma das medidas adotadas foi a criação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) pelo Ministério da Saúde (MS), e assim muitas pessoas que até então ficavam em instituições fechadas passam a utilizar esse tempo no convívio diário com seus familiares e cuidadores no domicílio e em acompanhamento nesses centros. Nesse novo contexto o indivíduo portador de sofrimento mental pode retomar o curso de sua vida exercendo sua cidadania, deixando de ser desprovido de direitos, diferentemente do que acontecia no modelo anterior. Este estudo de caso visa identificar como o usuário com transtorno mental se percebe (re)inserido na sua família e comunidade, observando se este sujeito se percebe cidadão e se a família é efetivamente um lugar humanizador e provedora de cidadania e vínculos saudáveis. Para realização deste estudo de caso foram utilizados dados elencados pelo contato dos pesquisadores com usuário com transtorno mental diagnosticado na adolescência e atualmente com 50 anos de idade. Trata-se em um usuário de saúde mental da rede municipal de saúde de um município ao noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

O usuário passou por internações psiquiátricas recorrentes durante doze anos e no início dos anos 2000 regressou para o convívio familiar, onde pode usufruir de seus direitos como cidadã como direito ao voto, deslocar-se livremente pela cidade, participar de atividades na comunidade, além de receber seu tratamento de saúde mental. Percebemos que a família ainda demonstra resistência no que diz respeito a autonomia da usuária, visto que por vezes apresenta diálogos infantilizados e restritivos com o mesmo. A participação do indivíduo com sofrimento mental no contexto da família implica principalmente a aceitação deste pelos familiares, devido aos seus comportamentos e sintomas gerados pela patologia que podem causar dificuldades diversas no seio familiar. Situação agravada pela concepção que a sociedade tem da pessoa portadora de transtorno mental, como sujeito perigoso e violento, reforçando o preconceito e estigma. Ao nos aproximarmos da complexidade da temática e das ações que envolvem a realidade de assistência em saúde mental, tanto no serviço municipal de saúde quanto no seio familiar percebemos que o modelo psicossocial proposto pela reforma psiquiátrica na perspectiva da família com um integrante com transtorno mental está tendo efeitos positivos no usuário. No que se refere à compreensão ampliada do sofrimento mental, partindo da realidade concreta de que o portador de transtorno mental e sua família estão inseridos em uma comunidade e utilizam dos serviços de saúde, ressaltamos a responsabilidade dos serviços substitutivos junto aos familiares e usuários, uma vez que são responsáveis por mediar os conflitos e se constituir espaço aberto para a participação da família, o que ainda precisamos avançar.

Publicado
03-03-2018
Seção
Saberes e Práticas de Atenção à Saúde